[f i l m e s d o c h i c o]

19 de fev. de 2007

[borat]

[em cartaz]

[borat - o segundo melhor repórter do glorioso país casaquistão viaja à américa ]
direção: Larry Charles.

Borat, 2006. É impossível negar que há méritos notáveis em Borat, mas o falso documentário não raramente se afoga no mesmo mar de situações que pretende denunciar. Incomoda um pouco a premeditada falta completa de escrúpulos, que, apesar de ter, talvez, motivações exatamente contrárias, rende episódios misóginos, racistas e de intolerância, que, sob a égide do engraçado, sarcástico, irônico e jocoso, ganha sua justificativa. O vale-tudo a que o filme se propõe abre espaço, já de início, para a idiotização de um povo e de uma cultura. Há cenas geniais, como a do discurso no meio do rodeio ou a do jantar, onde, aí sim, de verdade, Sacha Baron Cohen desconstrói certas lógicas do pensamento do norte-americano médio (e medíocre) colocando esse norte-americano em suas próprias armadilhas, mas há episódios desnecessários e de mau gosto como boa parte das citações sexuais, que de tão assumidamente estúpidas perdem o efeito, ou a entrevista com as feministas. Em certo ponto, os efeitos do filme guardam certas semelhanças deploráveis com os do cinema de Michael Moore, que-deus-o-tenha, uma coisa tipo "o sujo falando do mal lavado" ou "os fins justificam os meios". O humor fácil, que arrebata rapidamente, é um instrumento perfeito para uma crítica ácida, mas faz ressoar preconceitos às avessas.

Com Sacha Baron Cohen, Ken Davitian, Luenell e Pamela Anderson.

Marcadores: , ,

18 de fev. de 2007

[a rainha]

[em cartaz]



[a rainha ]
direção: Stephen Frears.

The Queen, 2006. Competente relato de Stephen Frears, que há tempos nos devia um filme bom de verdade, sobre a semana seguinte à morte da princesa Diana no Palácio de Buckingham. Como era esperado, Helen Mirren está maravilhosa, mas sem picos de explosão como se espera das grandes interpretações (e cuja ausência talvez faça desta uma grande interpretação). O filme tem o tom frio da nobreza britânica e, mais do que crítica à família real, é uma ode à princesa morta. As inserções documentais enriquecem o contexto, mas, de certa forma, enfraquecem a dramaturgia. É um filme bom que sabe se esgueirar sem alardes belos bastidores da intrigas palacianas, mas não é tão grande quanto queriam.

Com Helen Mirren, Michael Sheen, James Cromwell, Sylvia Sims.

Marcadores: , , ,

5 de fev. de 2007

[o último rei da escócia]

[em cartaz]


[o último rei da escócia ]
direção: Kevin Macdonald.

The Last King of Scotland, 2006. O que mais me impressionou em O Último Rei da Escócia é que a interpretação de James McAvoy, o adorável fauno de As Crônicas de Nárnia: o Leão, o Guarda-Roupas e a Feiticeira (2005), única coisa que presta no filme por sinal, rivaliza com a festejada e premiada performance de Forest Whitaker, que deve ganhar o Oscar pela encarnação do ditador Idi Amin. McAvoy, a meu ver, é o verdadeiro protagonista do filme. Seu tipo irresponsável ganhou ótima composição. Já
Whitaker, um grande ator em momento generoso, é um coadjuvante categoria um, mais ou menos isso. A dupla, em seus encontros ou nas cenas solo, são o que há de melhor no filme, exemplar básico de cinema histórico. As inserções sonoras são um diferencial interessante, mas apenas deixam a forma menos óbvia.

Com James McAvoy, Forest Whitaker, Gillian Anderson, Kerry Washington.

Marcadores: , , , , ,

[apocalyto]

[em cartaz]


[apocalypto ]
direção: Mel Gibson.

Apocalypto, 2006. Mel Gibson é aquela mala pesadae um cara que não merece perdão pela sua estupidez, mas ele tem seu talento. O problema é que esse talento é hiperdimensionado seja para o bem, seja para o mal. Como diretor, seu maior mérito ainda é Coração Valente (1995), que é um bom filme, exemplar de cinema masculino bem realizado, e seu maior demérito, A Paixão de Cristo (2004), exercício de arrogância quase racista e afeito à violência extrema como se ela significasse fazer um cinema realista. É a mesma lógica de filmes imbecis como a trilogia Jogos Mortais só que com o manto de Jesus usado como escudo protetor. Algo como cale-se e aceite a palavra de Deus ou serás um infiel.

Em Apocalypto, Gibson recupera a virilidade de seu grande acerto, mas a mescla com a brutalidade gratuita de seu grande pecado. A caça à anta é divertida e bem filmada até o bicho ir pro espeto e você se tocar de que só é muito macho quem tem coragem de mostrar uma cena daquelas. Ou pelo menos é assim que acha o comandante dessa história. Mas há algumas coisas que precisam ser admirado no diretor: ele sabe se cercar de bons auxiliares (em Apocalypto, a fotografia a-bruxa-de-blairiana funciona muito bem, a montagem estamos-em-uma-grande-corrida igualmente e a composição sonora - a trilha não, que é ruim - é perfeita). Além disso, bancar um filme falado numa língua morta (?), com grande investimento em cenários, viagens e efeitos visuais não é para qualquer um. Mas se utilizar da desse material para realizar um compêndio de violência, escatologia e uma tosquíssima mensagem sobre proteger sua família - seria um trocadilho conceitual com tudo o que Mel acredita? - é validar o cinema como um campo de batalha sem qualquer nuance, estúpido como seu diretor, que é uma pessoa ruim, mas sabe fazer filme musculosos como ninguém. Ainda bem, basta um.

Com Rudy Youngblood, Dalia Hernandez, Jonathan Brewer, Morris Birdyellowhead, Carlos Emilios Baez.

Marcadores: , ,

4 de fev. de 2007

[diamante de sangue]

[em cartaz]



[diamante de sangue ]
direção: Edward Zwick.

Blood Diamond, 2006. Confesso que estava animado com o filme, com seu protagonista de moral falha, interpretado com um sarcasmo Bogartiano pelo Leonardo Di Caprio. Parecia um filme não apenas divertido - afinal, é um filme de aventura com contexto atual em moldes antigos -, mas de certa forma com alguma preocupações ingênuas que temos o hábito de condenar pelo bom mocismo, mas que devem ser preservadas. Era, até certo ponto da projeção, o melhor filme de Edward Zwick. Comecei a pensar que ele havia evoluído, largado o dramalhão em troca das causas sociais (elas são chatas, mas nem tanto quanto). Então, o filme que já estava quase ganhando suas três estrelinhas ganha contornos de revolução espeiritual, quando o protagonista, no que deveria ser o clímax de seus atos de canalhice, fica bonzinho. Mas tão bonzinho que põe quase tudo a perder. Depois desse ato de bondade (não deixa de ser uma revolução ficar sem protagonista nos dez minutos finais de um filme praticamente escorado em seu astro), Zwick mostra como é um diretor de poucas idéias e emula o final de O Jardineiro Fiel (Fernando Meirelles, 2005) para dizer tchau em tom grandioso para o espectador.

Com Leonardo Di Caprio, Djimon Hounsou, Jennifer Connelly, Michael Sheen.

Marcadores: , , , , ,

19 de jan. de 2007

[babel]


[tribunal de um mundo globalizado]



Alejandro Gonzalez Iñarritu ficou irritado quando resolveram comparar seu Babel com Crash, vencedor do Oscar de melhor e do Alfred de pior filme do ano passado. Segundo ele, que afirma odiar o longa de Paul Haggis, seu trabalho não julga suas personagens, coisa que o outro filme faz de sobra. A declaração me tomou de surpresa porque o longa do mexicano não me parece nada mais do que uma versão globalizada das fatalidades do filme de Haggis. Mas, pensando bem, dá até para concordar com ele: ao contrário de Haggis, o mexicano não procura determinar o caráter de seus protagonistas e condená-los à corrupção do espírito. Babel, por determinado prisma, é mais cruel porque, nele, o carrossel de fatalidades é apenas um mecanismo com que o diretor se reserva o direito de brincar.

O modelo labiríntico que Alejandro Gonzalez Iñarritú vem desenvolvendo desde que começou a filmar é, ao que parece, a idéia que se tem de bom cinema hoje em dia. A administração de histórias paralelas e de seus entrelaces e interrelações requer certa arquitetura de roteiro e direção, um trabalho que aparenta ser mais braçal - e é - do que as narrativas lineares. O modelo não é novo. Robert Altman se utiliza dele há cerca de quarenta anos e, mesmo com alguns tropeços, produziu muita coisa boa. Mas o que parece se querer enfatizar nesses novos exemplos é uma disposição sociológica de seus novos maestros.

A proposta de Iñarritú foi lançada com eficácia em Amores Brutos (2001), reprisada, mas enfraquecida, em 21 Gramas (2004), em que os atores são muito melhores do que a história em si, e radicalizada em Babel, que, em muitos momentos parece mesmo uma metástase de Crash. A fórmula de isso-influencia-aquilo ganhou proporções internacionais, com eventos mínimos provocando conseqüências além-mar. Ainda que em menor intensidade, como no filme de Haggis, o longa lança olhares castradores sobre o homem e suas ações, olhares prontos para prender, julgar e executar.

Apesar de ter talento para a direção de atores, Iñarritú não consegue arrendondar as relações entre as histórias muito bem. A facção japonesa é a mais isolada, ligada às outras por um fiapo bem frágil. O drama no Marrocos, quase inerte, parece apenas um apêndice da história que realmente interessa ao diretor, a mexicana, a única que tem vida própria e a que guarda a melhor interpretação do filme, a de Adriana Barraza. No entanto, tal qual Crash, o filme tenta esconder sua fragilidade num tom de denúncia, denúncia de comportamentos, que invade as três histórias.

A linha, necessariamente fatalista em tempos de terror e desconfiança étnica, virou vício do roteirista Guillermo Arriaga, ao mesmo tempo em que se posiciona contra injustiças, ajuda a reforçar diferenças, na estilização das atitudes das personagens, sobretudo as periféricas. O que mais assusta é Arriaga e Iñarritú podem também estar iludidos de que completaram sua missão, missão que a princípio seria tipicamente norte-americana, mas que foi executada por mexicanos, que ganhou prêmio em Cannes, que ganhou o Globo de Ouro, que é apontado como forte candidato ao Oscar - duvido que ganhe - e que possivelmente vai exaurir o cinema deles. Mas com o decreto de que histórias esquartejadas pessimistas são o que há de bom cinema feito hoje, pode ser que eles sejam mais e mais celebrados. E o errado seja quem não está do lado deles.

P.S.: este texto, com algumas adaptações, foi publicado neste blogue em outubro, na época da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

P.S.2: perspectivas para os Oscars de ator coadjuvante e atriz coadjuvante no oscarBUZZ.

[babel ]
direção: Alejandro Gonzalez Iñarritú.
roteiro: Guillermo Arriaga, baseado em idéia de Arriaga e Alejandro González Iñárritu.
elenco: Adriana Barraza, Brad Pitt, Cate Blanchett, Rinko Kikuchi, Gael García Bernal, Jamie McBride, Kôji Yakusho, Lynsey Beauchamp, Nathan Gamble, Elle Fanning, Aaron D. Spears, Clifton Collins Jr..
fotografia: Rodrigo Prieto. montagem: Douglas Crise e Stephen Mirrione. música: Gustavo Santaolalla. desenho de produção: Brigitte Broch. figurinos: Michael Wilkinson produção: Steve Golin, Alejandro González Iñárritu e Jon Kilik. site oficial:
Babel. duração: 142 min. Babel, Estados Unidos, 2006.

nas picapes: [great big world, anne hathaway]


Marcadores: , , , , , ,


 
online