[f i l m e s d o c h i c o]

30 de abr. de 2005

RANKING

Meu primeiro balanção do ano. Terminado o primeiro quadrimestre de 2005, fiz minhas listas inaugurais de melhores e piores entre as estréias em circuito do ano. Alguns filmes ainda não chegaram a receber textos neste blogue. Entre parênteses, notas pessoais para os filmes (de zero a dez). Eis os resultados:



melhores do ano

1 Mar Adentro, de Alejandro Amenábar (9)
2 Ninguém Pode Saber, de Hirokazu Kore-eda (9)
3 O Aviador, de Martin Scorsese (8,5)
4 Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira (8,5)
5 Cabra-Cega, de Toni Venturi (7,5)
6 O Clã das Adagas Voadoras, de Zhang Yimou (7,5)
7 Reencarnação, de Jonathan Glazer (7,5)
8 Constantine, de Francis Lawrence (7)
9 Nossa Música, de Jean-Luc Godard (7)
10 Menina de Ouro, de Clint Eastwood (7)



piores do ano

1 Closer - Perto Demais, de Mike Nichols (1,5)
2 Contra a Parede, de Fatih Akin (1,5)
3 Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Foster (2)
4 O Fantasma da Ópera, de Joel Schumacher (2)
5 O Chamado 2, de Hideo Nakata (2)
6 Eterno Amor, de Jean-Pierre Jeunet (3)
7 Herói, de Zhang Yimou (3,5)
8 Robôs, de Chris Wedge e Carlos Saldanha (4)
9 Desventuras em Série, de Brad Silberling (4,5)
10 Vozes Inocentes, de Luis Mandoki (5)

29 de abr. de 2005

Ou foi o mundo então que cresceu?



O cinema do Brasil ainda fala pouco sobre o Brasil. Em vez de perder tempo com uma lição de casa - mal feita - de estudante universitário que precisa destilar revolta como Cama de Gato (Alexandre Stockler, 2001), o cineasta brasileiro bem que poderia se dedicar a um tema rico como os anos da ditadura militar. Muito além da luta armada, da violência, das discussões por vezes utópicas sobre o idealismo patriótico, a busca da liberdade, o assunto é cenário para ricas histórias pessoais. Dois filmes que chegaram quase juntos aos cinemas brasileiros abordam esse ponto de vista da batalha que fez história.

Quase Dois Irmãos, novo longa de Lúcia Murat, foi o que menos deu certo, sem ser um filme ruim. A composição de época é mais que correta, mas a opção foi de não ter apenas um plano temporal, o que travou o desenvolvimento das personagens. Caco Ciocler e Flávio Bauraqui recebem muito bem os dois quase-amigos que se reencontram numa penitenciária. Um é um preso comum, pobre, negro, outro é preso político, classe média, branco. O confronto entre as duas realidades é o que mais chama a atenção principalmente quando elas se misturam e passam a interferir uma na outra. É o momento onde as prioridades mudam e o que se acredita acompanha essa transformação.

O filme erra quando tenta estabelecer conexões entre as épocas. O plano factual é dispensável apesar de bem fotografado. A versão contemporânea dos dois protagonistas não tem fôlego. E o filme-denúncia que se desenha quando Maria Flor sobe a favela, além da falta de originalidade, não traz nada de muito relevante ou pertinente para o que o longa se propunha de início. Apesar da irregularidade, Murat prestou um enorme serviço a sua imagem, deixando para o limbo seu filme anterior, Brava Gente Brasileira (2001), um dos piores da safra mais recente do cinema brasileiro.



Toni Venturi, diretor de Cabra-Cega, conseguiu um resultado muito melhor. O encontro entre o ativista político e uma companheira que o ajuda na clausura forçada rendeu um bom filme, que não sofre o mal das ideologias desgastadas pelo tempo. Venturi - junto com o roteirista Di Moretti - conseguiu não perder o foco no pessoal e, pela lupa, apresentou uma bela história de descoberta e identificação. Mais que isso, as personagens projetam o que lhes falta uma nas outra. Mesmo sem se aprofundar na relação, o filme é tão delicado com os dois protagonistas que seus pequenos pecados, como não valorizar os coadjuvantes, viram detalhes.

O diretor tomou a acertadíssima decisão de deixar de lado o magoado ranço derrotista para com a ditadura, praxe em filmes com essa temática. Cabra-Cega não é ressentido, apesar de reproduzir "um ideal revolucionário". Isto está muito claro na bela interpretação de Leonardo Medeiros, um dos grandes atores do Brasil, cuja personagem tem o espírito de combatente da liberdade, mas não se prende a uma interpretação contaminada. Por sinal, o reencontro de Medeiros com Débora Duboc é um exemplo de interação. A dupla que já havia feito o belo (belo mesmo) curta de Bel Bechara e Sandro Serpa, Onde Quer que Você Esteja (2003), dá textura às duas personagens.

Fernanda Porto, geralmente muito chata, fez bonito na trilha sonora, recuperando Chicos Buarques clássicos. A versão da maravilhosa Roda Viva é feia, apesar dos vocais divididos com o autor, mas a releitura de Construção é muito boa. As músicas embalam cenas que mostram um cineasta amadurecido em relação ao insípido Latitude Zero (2000), seu filme anterior. Há o ônibus, há o sexo, há Jonas Bloch prendendo o choro. e há a belíssima cena final, onde pela primeira vez se forma um grupo de verdade a partir de um silencioso pedido de perdão.

QUASE DOIS IRMÃOS
Quase Dois Irmãos, Brasil, 2005.
Direção: Lúcia Murat.
Roteiro: : Lúcia Murat e Paulo Lins.
Elenco: Caco Ciocler, Flávio Bauraqui, Maria Flor, Marieta Severo, Fernando Alves Pinto, Werner Schünemann, Renato de Souza, Luiz Melodia, Babu Santana.
Fotografia: Jacob Sarmento Solitrenick. Montagem: Mair Tavares. Direção de Arte: Luis Henrique Pinto. Música: Naná Vasconcellos. Produção: Aílton Franco e Branca Murat.

CABRA-CEGA
Cabra-Cega, Brasil, 2005.
Direção e Produção: Toni Venturi.
Roteiro: : Di Moretti, baseado num argumento de Fernando Bonassi, Roberto Moreira e Victor Navas.
Elenco: Leonardo Medeiros, Débora Duboc, Jonas Bloch, Michel Bercovitch, Bri Fiocca, Odara Carvalho, Milhem Cortaz, Renato Borghi, Walter Breda e Elcio Nogueira.
Fotografia: Adrian Cooper. Montagem: Willem Dias. Direção de Arte: Cláudia Minari. Música: Fernanda Porto. Figurinos: Carolina Li. Site Oficial: www.cabracega.com.br.

rodapé: Dois anos sem telefone celular acabaram. E o sossego também.

nas picapes: Roda Viva, Chico Buarque.

27 de abr. de 2005

O dia em que deus descansou



No dia que deus escolheu para descansar é quando acontecem as tragédias. Tragédias como aquela em que dois irmãos de meia-idade promoveram um massacre numa pequena aldeia espanhola. Carlos Saura, o diretor da quase obra-prima Tango (1998), foi buscar nesta cena a inspiração para seu último filme, O Sétimo Dia. Para tanto, remodelou perfis e passados das personagens envolvidos, reinventou a história, erguida sobre a égide do ódio primata entre duas famílias, que começa com um amor não correspondido.

A falha de Saura é no desenvolvimento. Tanto da história quanto das personagens. Apesar de pontuar o filme com os fatos cronologicamente situados para impor o crescimento do sentimento que move as famílias, não sabe transformar essas situações em momentos catalisadores. Falta acontecer o ódio. Victoria Abril, mais que eficiente, sofre com a falta de cuidado do roteiro com sua personagem, a mais importante para a trama. O texto, correto, é incapaz de provocar envolvimento, de dar credibilidade ao que se vê. Tudo parece acontecer sem muito motivo. E com um mundo de clichês: o personagem maluquinho virou obrigatório em filmes chicanos.

Quando a pequena tragédia familiar acontece, o espectador sente pouco. Ele não se apaixonou pelas personagens, não mergulhou em seu cotidiano de brincadeiras, não acompanhou a relação entre elas. Então, presenciar assassinatos de gente tão próxima perde força porque essa não foi desenhada a intimidade entre quem assiste e quem está na tela. Essa precariedade não parece opção, mas falha mesmo. Saura precisaria de mais duas horas para desenvolver o texto e os agentes. A sensação é de incompletude, de nunca chegar à superfície.

O SÉTIMO DIA
El Séptimo Día, Espanha, 2004.
Direção: Carlos Saura.
Roteiro: Ray Loriga.
Elenco: Juan Diego, José Luis Gómez, José Garcia, Victoria Abril, Yohana Cobo, Eulalia Ramón, Ramón Fontserè, Carlos Hipólito, Oriol Vila, Ana Wagener, Juan Sanz, Elia Galera, Carlos Caniowski.
Fotografia: François Lartigue. Montagem: Julia Juaniz. Direção de Arte: Rafael Palmero. Música: Roque Baños. Figurinos: María José Iglesias. Produção: Andrés Vicente Gómez. Site Oficial:

rodapé: O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro anunciou os indicados ontem. O melhor filme de ficção do ano, Filme de Amor, de Júlio Bressane, não está indicado na categoria principal - e em nenhuma outra!!! Outra omissão lastimável é a de Silvia Lourenço, de Contra Todos, entre as atrizes coadjuvantes. Há algo a se comemorar: o belo número de indicações de Narradores de Javé e a ausência de Olga entre os filmes do ano. Para ajudar na escolha dos acadêmicos brasileiros, que tal dar seu voto? É só desbloquear o pop-up que abre assim que essa página é acessada.

nas picapes: Made of Stone, The Stone Roses.

26 de abr. de 2005

Baforadas de existencialismo



Um filme em episódios é sempre um risco. Os quadros que compõem o painel existencial pintado por Jim Jarmusch em Sobre Café e Cigarros sofrem pelo desequilíbrio. Os primeiros são muito fracos, quase que sem nada a dizer. Exercícios retóricos imbuídos de um espírito intelectualóide pretensioso, refém dos clichês dos filmes indie. O amigo de Jarmusch, Roberto Benigni, deve ter guardado para si o que quis dizer no episódio de abertura. E nem a presença de Steve Buscemi conseguiu salvar do zero a zero o duelo entre os irmãos de Spike Lee. Há também a sensação de desperdício de Tom Waits e Iggy Pop no meio de um "nada a declarar".

Mas as coisas mudam e a segunda metade do filme revela discussões bem mais interessantes, mesmo quando os assuntos não existem propriamente. O melhor episódio é o que promove o encontro entre o famoso Alfred Molina e o desconhecido Steve Coogan, ambos com timing perfeito. A troca das popularidades dos dois atores permitiu uma deliciosa brincadeira. O nonsense do quadro com os White Stripes também garante um momento interessante. Cate Blanchett, sempre boa atriz, se divide em duas, mas o texto cansa em determinado momento. Mas é quando os rappers RZA e GZA descobrem a verdadeira identidade de seu garçom que o filme fica mais inteligente, sem perder sutileza e coerência.

SOBRE CAFÉ E CIGARROS
Coffee and Cigarettes, EUA, 2003.
Direção e Roteiro: Jim Jarmusch.
Elenco: Cate Blanchett, Alfred Molina, Steve Coogan, Steve Buscemi, Joie Lee, Cinqué Lee, Steven Wright, Roberto Benigni, Bill Murray, RZA, GZA, Vinny Vella, Vinny Vella Jr., Joseph Rigano, Tom Waits, Iggy Pop, Renee French, E. J. Rodriguez, Alex Descas, Isaach De Bankolé, Jack White, Meg White, William Rice, Taylor Mead.
Fotografia: Tom DiCillo, Frederick Elmes, Ellen Kuras e Robby Müller. Direção de Arte: Mark Friedberg, Tom Jarmusch e Dan Bishop. Montagem: Jay Rabinowitz, Melanie London, Jim Jarmusch e Terry Katz. Canções: Richard Berry e Tom Waits. Produção: Rudd Simmons, Jim Stark, Jason Kliot, Birgit Saudt, Joana Vicente. Site Oficial: www.coffeeandcigarettesmovie.com.

rodapé: E morreu o George Pan Cosmatos. Deve ter alguém triste por aí já que virou moda celebrar cineastas medíocres como grandes criadores. Dizer que o desconhecido é melhor, mesmo que não seja verdade, chama muito, mas muito mais atenção.

nas picapes: Ruby Tuesday, The Rolling Stones.

25 de abr. de 2005

RANKING MARÇO

Depois de Godard e Scorsese, vejam quem apareceu em primeiro na lista dos melhores filmes do mês no blogue da liga.

19 de abr. de 2005

Cannes 2005



Last Days, de Gus Van Sant, integra a seleção deste ano do Festival de Cannes. Michael Pitt vai ter a chance de provar se é bom na pele de Kurt Cobain. A lista deste ano aposta, quase que totalmente, no consagrado. Tem Cronenberg, os irmãos Dardenne, Jim Jarmusch, Hou Hsiao-Hsien, os queridinhos Amos Gitaï e Atom Egoyan, Lars Von Trier, Michael Haneke e até Wim Wenders. Sin City, de Robert Rodriguez e Frank Miller, também ganhou uma vaguinha.

17 de abr. de 2005

Post reciclado I: os filmes de elenco

No ano passado, durante a Mostra de Cinema de São Paulo, eu vi muitos filmes. Filmes que somente nos últimos tempos chegaram aos cinemas. Aqui, reposto os comentários que fiz sobre alguns deles à epoca do festival com alguns adendos:



MARIA CHEIA DE GRAÇA
Maria Full of Grace, Colômbia/Estados Unidos, 2004.
Direção: Joshua Marston.

Eis um belo filme, sem esforço. A história de Maria, a colombiana que sonha em melhorar de vida e, mesmo grávida, vira mula do tráfico de drogas para os Estados Unidos, tinha tudo para partir para o apelativo, mas faz a direção contrário. Examina com distanciamento político, social e religioso os caminhos do imigrante ilegal e do homem comum em busca de alguma coisa melhor. O diretor é norte-americano, mas dribla a visão viciada da questão. Os personagens são sólidos, coerentes. A protagonista Catalina Sandino Moreno, linda, está perfeita. A atriz que faz a irmã da moça que morre é muito boa também. Vem cá, a Gloria Perez vai na Mostra, é?



O LENHADOR
The Woodsman, EUA, 2004.
Direção: Nicole Kassell.

É impressionante como o tempo fez bem a Kevin Bacon. O ex-adolescente que estrelou filmes pipoca e que cresceu fazendo bobagens foi, aos poucos, virando ator sério. Neste filme, ele consegue seu papel mais corajoso e o interpreta com intensidade. A diretora Nicole Kassell faz um trabalho digno de aplauso ao extrair os clichês de uma trama de reaceitação. E não há certezas sobre os efeitos do eco que crime e castigo fazem nos ouvidos do homem que ficou 12 anos preso por molestar crianças.



FEMINICES
Feminices, Brasil, 2004.
Direção: Domingos de Oliveira.

Domingos de Oliveira recupera seu humor depois do ponto contra de Separações (2003), chato e sem graça. Este filme é uma belíssima surpresa, escorado no timing imoral do diretor para a comédia e nas deliciosas interpretações do quarteto fantástico de atrizes, com destaque para Clarice Niskier, autora da pessoa que baseia o filme, e a fofíssima Dedina Bernadelli, que me fez voltar à infância e às novelas da Globo nos anos 80 - por sinal a piada da série da Globo é ótima. Curioso que o que mais poderia dar errado (os comentários dos homens sobre as mulheres de 40) funciona muito bem.

Post reciclado II: os filmes modernos



EDUKATORS
The Edukators, Alemanha/Áustria, 2004.
Direção: Hans Weingarten.

O que transforma este filme num belo filme é que ele é tão convicto de suas ideogogias que se torna quase ingênuo, adolescente. A presença do mesmo Daniel Bruhl de Adeus, Lênin (2003) no elenco reafirma essa idéia. O personagem dele, junto com um colega, invade mansões, rearruma os móveis e deixa bilhetes para assustar os riquinhos. Até que alguma coisa dá errado. Na melhor cena do filme, surge a pergunta: como você, com um passado destes, se transformou no que você é? Resposta: acontece sem a gente sentir. Não precisava de "Hallellujah" três vezes no final (a trilha já é boa o suficiente), anunciando redenção. Não precisava do bilhetinho na parede. Edukators faz parte de um cinema alemão que não é chato. Isso já é bastante coisa.



QUESTÃO DE IMAGEM
Comme une Image, França, 2004.
Direção: Agnès Jaouï.

A velha história do homem de negócios muito ocupado, preocupado com os negócios, o dinheiro, a badalação, e displicente com a família e os amigos. Tudo isso formatado de comédia moderna francesa, com diálogos ágeis e bons atores. Não fosse esse diferencial seria mais difícil de aturar. Pois é, O Gosto dos Outros (2000) era melhor.

Post reciclado III: os filmes étnicos



CONTRA A PAREDE
Gegen Die Wand, Alemanha, 2004.
Direção: Fatih Aik.

Moderno mesmo, hoje em dia, é quem tem sotaque. Efeitos da globalização. Explicação para que este filme, cuja temática é decendente direta da mesma do fraco Casamento Grego(2002) e do meia-boca Casamento Arranjado (2001), travestido de filme contemporâneo. A fórmula é simples: soma-se câmera digital trêmula, sexo, drogas, rock'n'roll e violência. O resultado é filme velho com cara de novo. Com alguns bobões que ainda compram a idéia e dão prêmio em festival importante, carreira assegurada.



MACHUCA
Machuca, Chile/Espanha, 2004.
Direção: Andrés Wood.

Essa história, quem não viu? Amigos de classes sociais diferentes que se aproximam em tempos de mudança. O país é o Chile, a época são os últimos meses do governo de Salvador Allende. Gonzalo conhece Pedro e há identificalção imediata, mas o abismo que existe entre eles pode falar mais lto. Dirigido com correção, é um filme bonito e tem momentos com texto inteligente. Anos-luz do nosso filme político do ano, Olga (Jayme Monjardim, 2004), peca por seus pequenos clichês, como a cena em que praticamente reproduz Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir, 1989), mas tem vigor e, apesar de uma conclusão fatalista, não deixa de ser um belo filme pequeno.



A VIDA É UM MILAGRE
Zivot Je Cudo/Life is a Miracle, Iugoslávia/França, 2004.
Direção: Emir Kusturica.

A volta à guerra trouxe um Emir Kusturica dividido entre a beleza de sua já clássica incursão pelas possibilidades do fantástico, do circense e sua prisão na própria armadilha ao se embrenhar pelo pastelão excessivo. Slavko Stimac é o melhor em cena, como o engenheiro que vê a proximidade do conflito desestruturar sua família. Na visão de Kusturica (que já nos entregou uma obra-prima sobre a guerra, Underground, 95), essa história permite brincar com os limites entre o real e o surreal embalado pela música composta por ele mesmo. Dos elementos mágicos que insere em seu longa, o burro apaixonado é, de longe, o melhor.

14 de abr. de 2005

Pequena história de guerra



Ser recrutado à força pelo exército ou se oferecer como mão-de-obra para a guerrilha. As opções não são nada boas para os garotos às vésperas de completar doze anos em El Salvador. Em mais de uma década de guerra civil, muitas histórias tristes. Uma delas é a de Oscar Torres, que ganhou versão cinematográfica romanceada em Vozes Inocentes, filme roteirizado por ele mesmo. Histórias reais muitas vezes rendem bons filmes, tocam o espectador. Este filme, com a inocência perdida de suas criancinhas, se equilibra entre o tom emocional e o sentimentalismo barato.

Os lugares comuns começam na cena de abertura, com um grupo de garotos sendo conduzidos como prisioneiros de guerra. A narração em off já clama pelo choro: frases esparsas, respiradas, melancólicas. Toda a introdução acontece embaixo de chuva. Chuva que se repete em várias cenas tristes ao longo do filme. A câmera lenta é usada para prolongar o sofrimento dos personagens. A trilha, ora bonita, ora chorosa, cortesia do brasileiro André Abujamra, ajuda a dar o tom imposto pelo diretor Luis Mandoki.

Mas há méritos em Vozes Inocentes: seqüências bem resolvidas, como a música que some quando o rádio é atirada na água, ou a criação do ambiente familiar suburbano e miserável do povoado onde acontece a trama. Existe também um protagonista mirim com talento suficiente para segurar a história e uma preocupação, mesmo que muito rápida, em adotar um posicionamento político (se bem que ver Mandoki alfinetar os Estados Unidos parece bem estranho quando se conhece a base de sua filmografia).

O que causa grande incômodo no filme é esse tom intermediário, que confunde sentimentalismo e encantamento típicos a uma pequena história. Não é o caso de minimizar o sofrimento de ninguém. Por si só, a trama teria um belo impacto emocional, mas nas mãos de Mandoki ganhou uma infinidade de lugares comuns para forçar o choro do espectador. Não fosse tão maniqueísta às vezes, Vozes Inocentes funcionaria muito melhor.

VOZES INOCENTES
Voces Inocentes, China/Hong Kong, 2004.
Direção: Luis Mandoki.
Roteiro: Oscar Torres e Luis Mandoki.
Elenco: Carlos Padilla, Leonor Varela, Gustavo Muñoz, José Maria Yapzik, Ofelia Medina, Daniel Gimenez Cacho, Jesús Ochoa.
Fotografia: Juan Ruiz Anchía. Direção de Arte: Antonio Muño-Hierro. Montagem: Aleshka Ferrero. Música: André Abujamra. Produção: Lawrence Bender, Luis Mandoki e Alejandro Soberón Kuri. Site Oficial: www.vocesinocentes.com .

rodapé: longa vida a Richard Linklater. Escola de Rock, revisto recentemente, não perdeu nenhum miligrama do frescor. É um filme pro resto da vida. Um belíssimo filme sobre amor. Amor que passa de pai para filho.

nas picapes: Frank Sinatra, do Cake.

13 de abr. de 2005

Nem todas as cores do mundo



Não senti a mínima vontade de rever Herói. Talvez por não gostar de ser enganado duas vezes. O filme de Zhang Yimou é uma grande mentira, uma involuntária metáfora da história que conta. Não parece haver uma outra razão aparente para que um cineasta do prestígio dele tenha resolvido fazer um filme como este senão o exibicionismo e uma vontade bem grande de ganhar dinheiro. Com sua aura de obra de arte, Herói é um caça-níqueis muito do fuleiro, que põe em cheque tudo o que diretor fez antes, apesar do esforço de Tony Leung e, principalmente, Maggie Cheung para dar credibilidade a seus personagens.

Primeiro ponto: a imagem. Cada mílimetro é calculado à exaustão para causar deslumbre visual. A manipulação das cores na direção de arte, acompanhando as múltiplas versões da história - não dava para pensar em nada mais original, não?, os efeitos visuais tão inerentemente absurdos que ganham sua explosão máxima na cena da luta sobre a água, a fotografia que ultrapassa o limite da beleza para abraçar forte a pieguice com muita câmera lenta, muito truque. O cálculo é tão extremado que o que poderia ser bonito se transforma em abstração de tão artificial.

Segundo ponto: a história. Para sustentar sua experiência visual, Zhang Yimou tentar embasá-la com uma trama apoiada em ciclos narrativos, cada qual com suas respectivas reviravoltas. Quem viu Rashomon (Akira Kurosawa, 1950) sabe bem de onde veio a inspiração. Mas não é nem esse plágio descarado o que mais incomoda, mas sim o que a reviravolta final nos revela: a identidade do tal herói. Além de falhar artisticamente, Herói tem uma grave falta moral: celebrar alguém que destruiu diferentes povos para inventar uma nação não parece nada muito acertado.



O êxito comercial do primeiro filme animou Zhang Yimou para uma nova incursão no gênero. O Clã das Adagas Voadoras, sem os mesmos tropeços morais de seu irmão mais velho, é bem melhor. Aqui o clima grandioso é trocado por uma história de amor clássica, bem mais simples, muito mais bem resolvida. Zhang Ziyi, coadjuvante no outro longa, agora é protagonista, a garota cega que desperta a paixão de dois soldados inimigos. Grande atriz, é dela muito do mérito do filme.

O foco na pequena trama é tão evidente que o diretor chega em certo ponto a abandonar o contexto histórico em que o filme acontece. A preocupação com o arrebatamento visual permanece em alta, mas aparece de forma mais discreta, reservada a cenas específicas (a dos tambores é particularmente belíssima). Não estilização, não há aura de filme de arte. Comparado a Herói, este O Clã das Adagas Voadoras é um grande filme, mas se o ponto de referência adotado for o pioneiro desta retomada das artes marciais, O Tigre e o Dragão (Ang Lee, 2000), o último trabalho de Zhang Yimou está apenas um pouco acima da média.

HERÓI
Ying Xiong, China/Hong Kong, 2002.
Direção: Zhang Yimou.
Roteiro: Li Feng, Wang Bin e Zhang Yimou.
Elenco: Jet Li, Tony Leung Chi-Wai, Maggie Cheung, Zhang Ziyi, Chen Daoming, Donnie Yen, Liu Zhong Yiuan, Zheng Tia Yong, Yan Qin, Chang Xiao Yang, Zhang Ya Kun, James Hong (voz).
Fotografia: Christopher Doyle. Direção de Arte: Huo Tingxiao. Montagem: Angie Lee, Vincent Lee e Ru Zhai. Música: Tan Dun. Figurinos: Emi Wada. Produção: William Kong e Zhang Yimou. Site Oficial: www.miramax.com/hero .

O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS
Shi Mian Mai Fu, China/Hong Kong, 2004.
Direção: Zhang Yimou.
Roteiro: Li Feng, Wang Bin e Zhang Yimou.
Elenco: Takeshi Kaneshiro, Zhang Ziyi, Andy Lau, Song Dandan.
Fotografia: Zhao Xiaoding. Direção de Arte: Huo Tingxiao. Montagem: Cheng Long. Música: Umebayashi Shigeru. Figurinos: Emi Wada. Produção: William Kong e Zhang Yimou. Site Oficial: www.sonyclassics.com/houseofflyingdaggers .

rodapé: no blogue da Liga, a pedidos, eu coloquei as notas de cada votante para os melhores de fevereiro. A lista de março já começou a ser feita.

A nova versão do Cine Imperfeito, do Francis Vogner, está muito bonita e bem rica de conteúdo.

nas picapes: Life on Mars?, de David Bowie.

12 de abr. de 2005

Enumerar o melhor é uma experiência bastante pessoal. As opiniões dependem de experiências pessoais, que vão desde o gosto do indivíduo até os pilares de sua formação. Em arte, enumerar é mais particular ainda já que o contato é completamente subjetivo. Dar uma nota para um filme é bem questionável, mas também é muito divertido. Eu sou obcecado por listas. Mas, em Gosto dos Outros, eu repasso essa responsabilidade para os amigos. Há tempos, venho querendo organizar essa seção que vai e volta no meu blogue. O recomeço é agora, com as opiniões do Peerre, dono de um belo blogue sobre cinema.

Gosto dos Outros: Peerre



1 Badaladas à Meia-Noite (Chimes at Midnight, 1965), de Orson Welles.

O Poder, incontornável, sempre presente, mas também efêmero. O fim dos tempos de inocência para o jovem Henrique, frente ao futuro como novo rei da Inglaterra. O passado, de Falstaff e dos doces pilantras, que precisa cair no esquecimento até se transformar em sombra fantasmagórica.

2 A Mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln, 1939), de John Ford.

A civilização que nasce, a América que se impõe como país da oportunidade. A Lei, encarnada pelo jovem Lincoln, quando este ainda não era um mito, mas que Ford se encarrega de transformar em lenda. O paradigma dos heróis fordianos, que sempre se posicionam, como o país idealizado pelo cineasta, ao lado dos fracos e dos oprimidos.

3 Era Uma Vez em Tóquio (Tokyo Monogatari, 1953), de Yasujiro Ozu.

O casal de idosos que caminha em direção à morte. A modernidade que chega ao Japão e abala o relacionamento dos filhos com os pais. A transformação não enquanto exceção, mas como regra necessária. A pequeneza do homem em relação ao Tempo e à Morte, mas também a grandeza de todos os momentos considerados apenas banais.

4 A Regra do Jogo (La Règle du Jeu, 1939), de Jean Renoir.

Quem foge à regra do jogo, em que interações entre classes são permitidas apenas na troca de fluidos corporais? Atualizando as óperas bufas e a literatura iluminista do século XVII, Renoir desvenda e corrói o carrossel de hipocrisia e de máscaras que estrutura nossa sociedade.

5 Barry Lyndon (Barry Lyndon, 1975), de Stanley Kubrick.

Kubrick re-inventa a imagem do século XVII e do próprio cinema, ao realizar um filme-pretérito, em que a ação vista não tem presente nem futuro, apenas passado. Narrativa que re-inventa o Tempo, que re-inventa a figura do narrador. Na aparência fria, pulsa tanto amor e paixão quanto nos melhores Ophüls, a quem Kubrick homenageia na saga de Redmond Barry.

6 Conflitos de Amor (La Ronde, 1950), de Max Ophüls.

Ophüls radicaliza o carrossel de Renoir, e o materializa na tela, como companhia do narrador-voyeur, o próprio público a quem o filme se exibe. Controle social, hierarquia, crueldade, fragilidade: a Viena de 1900, fim da Belle Epoque, é o laboratório que dará origem à sociedade contemporânea, em que tudo se move, mas permanece no lugar. Em meio à desesperança, o beijo do príncipe na prostituta, sombra de alguém que ele conheceu no passado, redime a todos com ternura incomparável.

7 Playtime, Tempo de Diversão (Playtime, 1967), de Jacques Tati.

O carrossel reaparece, nos intermináveis engarrafamentos da cidade de Playtime, que, na verdade, é Paris. Mr. Hulot, perdido num caos absolutamente programado, em ambientes que primam pela semelhança e pelo ridículo. Hulot, vírus que contamina e que se multiplica, destruindo a Ordem e instaurando a graça, a beleza e o sentimento.

8 O Leopardo (Il Gattopardo, 1963), de Luchino Visconti.

A morte de uma era, de uma sociedade, de um conceito de homem para o nascimento de uma nova estrutura social / política / econômica, que troca a classe dominante para, no entanto, manter as classes dominadas. Mudar para permanecer. Assistindo a tudo, impotente, está o príncipe Salina: entre o nobre e o patético, resta-lhe esperar pelo fim com o mínimo de dignidade.

9 Aurora (Sunrise, 1927), de F. W. Murnau.

Antes de tudo, uma belíssima história de amor. No mais, comentário exuberante, de verdadeira poesia visual, das mudanças trazidas pelo século XX nas relações afetivas ? a velocidade absurda, os choques sensoriais, a instantaneidade ?, bem como da necessidade por restabelecer, com o Outro e com o mundo, a fé abalada pela era moderna.

10 Hitler, Um Filme da Alemanha (Hitler, Ein Film Aus Deutschland, 1978), de Hans-Jürgen Syberberg.

Hitler humano, Hitler histórico? Para Syberberg, vale o Hitler simbólico e, por conseguinte, político. Mais do que um louco assassino, também um reflexo negativo da racionalidade ocidental que se forma desde o Renascimento. Hitler, que está na Alemanha, na Europa, no Ocidente e em cada um de nós: o ideal fracassado da República Romana que propicia o surgimento da Roma Imperial.



microentrevista

Como começou seu interesse por cinema?
Nos corujões da Globo, final dos anos 80.

O que te leva a escrever sobre filmes?
Paixão. É uma forma de expressar o que sinto através do cinema.

Excetuando-se Syberberg, mais conhecido nos meios universitários, sua lista é composta por grandes nomes. Há algum "gênio incompreendido" que você admire?
Admiro cineastas da Hollywood dos anos 30, 40 e 50, como William Wellman, Anthony Mann, Vincente Minnelli. Às vezes eles não são levados a sério como deveriam.

Qual o pior filme do mundo?
Páreo duro. O último do Lukas Moodysson, Um Vazio em Meu Coração, além de ruim, é nojento, então meu voto atualmente vai para ele.

Você sofreu por ter que deixar algum filme de fora da lista?
Sim, deixei pelo menos outros 10 filmes de fora, que adoro, como Europa 51, Duas Garotas Românticas, Era Uma Vez na América, 2001, Rastros de Ódio, Week-End, etc.

créditos

Paulo Ricardo de Almeida, dito Peerre, 24 anos, mora no Rio de Janeiro, escreve sobre cinema na revista eletrônica Contracampo e no blogue Los Olvidados. Publicitário de formação, estuda cinema e pretende, em breve, realizar seu próprio filme.

11 de abr. de 2005

Depois de um sorriso amarelado



O bilhete que Marta entrega para Herman em Whisky pode, muito provavelmente, conter as mesmas palavras ditas por Bob Harris no ouvido de Charlotte nos minutos finais de Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, 2003). Palavras secretas que adjetivam conceitos como identificação, envolvimento ou mesmo amor. Palavras que deverão permanecer guardadas para sempre. A transformação interna de uma pessoa precisa apenas de um ponto de partida, de um gatilho.

O dia de Marta é feito de cenas repetidas. Começa em frente a uma porta de metal. Termina em frente a uma porta de metal. Marta só existe enquanto está na empresa onde trabalha. Não há nada além. Ninguém vê nada além. É lá, executando suas tarefas idênticas, dia a dia, que Marta é importante. É nela que está a engrenagem da pequena fábrica de meias. O emprego de Marta é pequeno, discreto, mínimo, justamente como Marta aparece aos olhos das pessoas.

Mas o emprego de Marta também é um mundo inteiro, justamente como Marta, que guarda um universo dentro de si.

Marta guarda gratidão pelo patrão. É ele que permite que ela esteja ali. Em troca, retribui com fidelidade, dedicação, cuidado, amor. Não há como negar o pedido que Jacobo faz para que ela assuma a farsa de um casamento. Para enganar o irmão dele. Para impressionar o irmão dele. A fábrica de meias é o mundo inteiro de Marta, mas também é o mundo inteiro de Jacobo. Um mundo que o privou de um outro mundo, o de verdade.

Quando Marta sai de seu dia cheio de cenas repetidas é que ela percebe como é só. Nesse momento que nunca acaba, Marta vive a fugaz ilusão da companhia, do estar junto para em seguida se dar conta de que não tem nada, de que tudo é de mentira. E Marta, ora, tem sentimentos. Ela é doce, delicada, esforçada, sofrida. Ela quer amor. E sabe onde não vai encontrar. O bilhete que Marta entrega para Herman pode, muito provavelmente, dizer: "até amanhã, se Deus quiser".

WHISKY
Whisky, Uruguai/Argentina/Alemanha/Espanha, 2004.
Direção: Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll.
Roteiro: Gonzalo Delgado Galiana, Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll.
Elenco: Mirella Pascual, Andrés Pazos, Jorge Bolani, Daniel Hendler, Ana Katz, Alfonso Tort, Verónica Perrota, Jorge Temponi, Alfonso Tort e Ignacio Mendy.
Fotografia: Bárbara Álvarez. Direção de Arte: Gonzalo Delgado Galiana. Montagem e Produção: Fernando Epstein. Música: Pequeña Orquestra Reincidentes. Site Oficial: www.whisky.com.uy.

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Rever Whisky revelou um filme bem calculado, o que me retirou a pureza inicial que o longa me passou quando eu o assisti num dia de muito cinema, durante a Mostra de Cinema de São Paulo. Foi um pouco decepcionante, mas eu acho impossível não resistir aos encantos da história e da maravilhosa Mirella Pascual.

nas picapes: Baby Lemonade, Syd Barrett.

10 de abr. de 2005

Resultado da enquete:
Qual o melhor filme baseado numa HQ? (44 votos)



Batman, o Retorno, de Tim Burton (34,09%) (15 votos)
Homem-Aranha 2, de Sam Raimi (25,00%) (11 votos)
X-Men 2, de Bryan Singer (9,09%) (4 votos)
Batman, de Tim Burton (9,09%) (4 votos)
Hulk, de Ang Lee (6,82%) (3 votos)
Superman, de Richard Donner (6,82%) (3 votos)
X-Men, de Bryan Singer (4,55%) (2 votos)
Hellboy, de Guillermo del Toro (2,27%) (1 voto)
Homem-Aranha, de Sam Raimi (2,27%) (1 voto)
Constantine, de Francis Lawrence (nenhum voto)

7 de abr. de 2005

O SER E O NADA, NÃO

Ficção-científica investiga... não investiga coisa nenhuma



Era uma vez um cineasta que não tinha nada a dizer, mas queria muito uma coisa: ser cool. Isso era tão importante para esse cineasta que ele resolveu fazer um filme sobre nada. Mas como filmes sobre nada geralmente não são muito cool, ele teve a idéia de fazer esse filme sobre nada em forma de ficção-científica. A história (é, tem uma) se passa num futuro muito, muito próximo porque é muito mais barato para fazer. O tema é a clonagem, que é um dos assuntos do momento então, olha que legal: o filme sobre nada que se passa no futuro é factual!

No filme sobre nada futurista e factual, o diretor quer mostrar que mundo globalizado é aquele onde toda frase tem pelo menos uma palavra numa língua que não a inglesa. Si, claro, salaam, ça va. O mundo globalizado no filme sobre nada futurista e factual proíbe cruzamentos entre gente de DNAs parecidos. É que dá defeito.

Para ser o herói (ou algo assim) de seu filme, o cineasta chamou o Tim Robbins porque, mesmo sem ser um bom ator, ele faz cara de sério e triste e o povo acredita (bem, talvez isso signifique ser um bom ator). Para ser a heroína do seu filme, o cineasta que queria muito ser cool chamou a Samantha Morton, aquela dos dentes curtos e incrivelmente sexys que sempre faz moças estranhas. Neste filme, ela interpreta uma moça estranha que age contra a lei e faz caras e bocas entre o etéreo e o erótico (por ser etéreo).

O filme sobre nada futurista e factual tem narração em off. Tipo assim Blade Runner, sabe?

O filme sobre nada futurista e factual termina com um final muito triste. Toca até Coldplay pra se ter uma idéia de como o final deste filme é triste. Só não é mais triste porque o filme é sobre nada.

CÓDIGO 46
Code 46, Grã-Bretanha, 2004.
Direção: Michael Winterbottom.
Roteiro: Frank Cottrell Boyce.
Elenco: Tim Robbins, Samantha Morton, Jeanne Balibar, Om Puri, Emil Marwa, Nina Fog, Bruno Lastra, Christopher Simpson, David Fahm, Natalie Jackson Mendoza, Essie Davis, Benedict Wong.
Fotografia: Alwin H. Kuchler e Marcel Zyskind. Direção de Arte: Mark Tildesley. Montagem: Peter Christelis. Música: The Free Association. Figurinos: Natalie Ward. Produção: Andrew Eaton. Site Oficial: www.mgm.com/ua/code46.

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O CHAMADO 2
Olha, eu gostei mais do primeiro filme norte-americano do que dos originais japoneses (onde o segundo é mais assustador que o primeiro), mas esta seqüência aqui não tem Naomi Watts que segure. Uma história tosca, que parece querer reciclar um monte de coisa, sem cenas de susto envolventes (a perseguição do poço é o que passa mais perto) e com um David Dorfman menos inspirado (no primeiro filme, ele estava ótimo). Chamar o Hideo Nakata, que dirigiu a os filmes japoneses, não teve muito efeito, além de uma vontade danada de rever Poltergeist (Tobe Hooper, 1982).

nas picapes: Every You, Every Me, do Placebo.

A VIDA DEPOIS DA BOSSA

Documentário é a essência do Brasil tropicalista



O fato de este filme existir deve ser muito louvado. É raro ter um registro tão puro e ao mesmo tempo tão contaminado de uma época, de um espírito. Puro porque a equipe do filme transpira tudo que está na tela. É o retrato dela mesma. Contaminado por quase o mesmo motivo: não há distanciamento, não há ponto de vista que não seja o dos retratados. Os Doces Bárbaros não tem poderes de investigação sobre seus quatro personagens, mas não há esta pretensão. É um documento - e dos mais deliciosos de se assistir - do fenômeno que foram quatro figuras que estão entre os maiores nomes da música brasileira.

O documentário se concentra na turnê que o grupo (era um grupo, enfim) fez pelo Brasil, mesclando shows, bastidores e incidentes de percurso. O maior destes foi a prisão do hoje ministro da Cultura, Gilberto Gil, por porte de maconha. Neste momento, a câmera de Jom Tob Azulay tenta dar uma de câmera jornalística e se propõe a esclarecer os fatos com um material bem farto: entrevistas com Gil, num dos momentos etéreos que o fizeram personagem, o delegado que o prendeu e o julgamento onde acabou condenado, de onde suas expressões ao ouvir acusações e vereditos são particularmente preciosas (as acusãções e vereditos não ficam atrás).

O registro de clássicos da música do Brasil em interpretações explosivas é especial apesar do amadorismo de muitas tomadas onde a câmera chicoteia ou esquece de mostrar quem canta. O momento-chave do filme é a entrevista de Maria Bethânia no camarim para um repórter sem muito tato. Impaciente, irritada e chata, a primeira das novas baianas mostra de onde vem toda a aura que existe em torno dela. De sua respostas indóceis para o teatro na interpretação de ?Um Índio?. Se aquele repórter a viu cantando aqui, ele nem ligou de receber porrada.

OS DOCES BÁRBAROS
Os Doces Bárbaros, Brasil, 1976.
Direção: Jom Tob Azulay.
Roteiro: Guilherme Araújo, Jom Tob Azulay, Isabel Câmara, Eunice Gutman e J. Saldanha.
Elenco: Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor.
Fotografia: Jom Tob Azulay e Fernando Duarte, entre outros. Montagem: Eunice Gutman e Luiz Carlos Saldanha.

rodapé:

Mas por favor, senhor sol, me dê de volta Virgínia.

nas picapes: Atiraste uma Pedra, d'Os Doces Bárbaros.


 
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