[f i l m e s d o c h i c o]

31 de out. de 2004

A BRUXA DO MAR

Longa segue a fórmula fácil da história real filmada como história real e submerge sem dizer a que veio



Essa tática não é nova: uma suposta história real (um casal abandonado em alto mar), uma câmera digital e muito terror psicológico. Mar Aberto tem até uma dupla de criadores, no melhor estilo A Bruxa de Blair (Daniel Myrick e Eduardo Sanchez, 99). Chris Kentis e sua esposa Laura Lau dividem direção, produção, montagem, fotografia e roteiro. Muita coisa para uma dupla de estreantes. Muito conveniente para quem precisava chamar atenção. Deu certo: foram milhões de dólares em caixa e a fama de um filme realmente original, intrépido, que não faz concessões a padrões hollywoodianos ou finais conciliadores. Mas Mar Aberto tem bem menos a oferecer do que aparenta. Primeiro porque nunca chega a se aprofundar na briga do casal, que é o que motivaria todo o filme. Essa briga parece, inclusive, que nunca existiu. Não há tensão ou discussão entre os dois. E é aí que o longa parece cansado desde seu nascimento. Os diálogos não sustentam as limitações do cenário único. A originalidade vira justificativa solitária para a preguiça que domina no contar da história. Tem susto? Até tem, mas poderia ter mais. E tudo parece muito mais sem sentido (e aqui fica clara a intenção de espetacularizar a tragédia) quando os créditos revelam o final. Naufrágio com maquiagem (ou sem) de filme independente.

MAR ABERTO
Open Water, Estados Unidos, 2003.
Direção, Roteiro: e Montagem: Chris Kentis.
Elenco: Blanchard Ryan, Daniel Travis, Saul Stein, Estelle Lau, Michael E. Williamson, Cristina Zenarro, John Charles.
Fotografia: Chris Kentis e Laura Lau. Música: Graeme Revell. Produção: Laura Lau. Site Oficial: www.openwatermovie.com .

30 de out. de 2004

AH, ESSES COLONIZADOS DO PRIMEIRO MUNDO...

Dois filmes provam que os franceses copiam sem vergonha alguma os melodramas norte-americanos



Comoção geral em relação a este filme. O culpado se chama Omar Sharif que, dizem as línguas boas e más tem a maior interpretação de sua carreira (ou pelo menos uma das), o que não deixa de ser bastante coisa para um filme sobre o eterno tema da amizade entre o velho e o garoto. O problema é que os elogios ao velho doutor Jivago parecem ser apenas mais uma homenagem do que algo que se tenha feito por merecimento. Não que sua performance como o bom velhinho árabe que ajuda o pequeno vizinho seja ruim. Ela apenas não tem nada de especial.

Melhor é o garoto Pierre Boulanger, que, em seu primeiro filme, consegue uma performance bem deslocada para alguém que tem que fazer cenas de sexo com putas (tudo bem, ela não eram de verdade...). O encontro dos dois personagens segue correto até que o diretor resolve transformar seu filme de vizinhança em road movie. Aí, o sentimentalismo roubado dos piores melodramas norte-americanos toma conta e as cenas finais se tornam tão constrangedoras que fariam corar até as bochechas rosadas de Lana Turner. Mas como o filme aqui veio da França a pieguice deve ser cult.



A comparação não tem nada de novo, mas este A Voz do Coração é a versão francesa para Ao Mestre, com Carinho (James Clavell, 67). Baseado em outro filme, o que mostra que os franceses também gostam de reciclar seu cinema comercial, o tema aqui é o eterno enfrentamento entre os alunos rebeldes e o professor de métodos controversos. O professor em questão é o gordinho Gérard Jugnot e os alunos da vez são os pré-adolescentes revoltadinhos de uma França rural, que ainda não havia chegado aos anos 50.

O esquema é o clássico: Jugnot chega aos poucos, sem barulho, e depois de conquistar os alunos (desta vez com um coral), se torna um ídolo para os garotos e para os colegas professores, sobretudo quando vira opositor ferrenho do diretor inescrupuloso da instituição que abriga os meninos briguentos. Tudo é muito bonitinho, arrumadinho, encantadorzinho, com muita música, composta pelo próprio diretor. E a linha segue sem criatividade até o clímax maior, que reprisa uma dezenas de filmes, suprindo sedes de justiça e enchendo nosso peito de emoção. Oh, capitain, my capitain.... Ops, este é outro filme...


UMA AMIZADE SEM FRONTEIRAS
Monsieur Ibrahim et le Coran, França, 2003.
Direção: François Dupeyron.
Roteiro: François Dupeyron e Eric-Emmanuel Schmitt, baseados no livro de Schmitt.
Elenco: Omar Sharif, Pierre Boulanger, Gilbert Melki, Isabelle Renauld, Lola Naymark, Anne Suarez, Mata Gabin, Céline Samie, Isabelle Adjani, Guillaume Gallienne, Guillaume Rannou, Manuel Le Lièvre, Daniel Znyk, Françoise Armelle.
Fotografia: Rémy Chevrin. Montagem: Dominique Faysse. Direção de Arte: Katia Wyszkop. Figurinos Catherine Bouchard. Produção: Laurent Pétin e Michèle Pétin. Site Oficial: : www.sonyclassics.com/ibrahim .

A VOZ DO CORAÇÃO
Les Chroristes, França/Suiça/Alemanha, 2004.
Direção e Música: Christophe Barratier.
Roteiro: Christophe Barratier e Philippe Lopes-Curval.
Elenco: Gérard Jugnot, François Berléand, Jean-Baptiste Maunier, Jacques Perrin, Kad Merad, Marie Bunel, Philippe Du Janerand, Jean-Paul Bonnaire, Maxence Perrin, Didier Flamand, Grégory Gatignol, Cyril Bernicot, Carole Weiss, Paul Chariéras, Thomas Blumenthal, Simon Fargeot, Théodul Carré-Cassaigne, Erick Desmarestz, Fabrice Dubusset.
Fotografia: Dominique Gentil e Carlo Varini. Montagem: Yves Deschamps. Direção de Arte: François Chauvaud. Figurinos Françoise Guégan. Produção: Arthur Cohn, Nicolas Mauvernay e Jacques Perrin. Site Oficial: : www.leschoristes-lefilm.com .

nas picapes: Voyage, Voyage, Desireless.

28 de out. de 2004

MAMÃE TAMBÉM FAZ SEXO

Comédia divaga sem tom certo sobre a mudança na orientação sexual



O cinema espanhol nunca perde gosto pelo escracho. Mesmo depois de Pedro Almodóvar ter estilizado seus filmes e dado mais profundidade a seus personagens, não são poucos os herdeiros de sua veia exagerada. A dupla de diretoras-roteiristas de Minha Mãe Gosta de Mulher saiu deste grupo e, em seu longa de estréia, aborda temas caros ao cineasta: homossexualismo, relacionamento, neuroses urbanas. A história é simples: uma pianista na casa dos 50 reúne as três filhas para dizer que está apaixonada por uma mulher. As discussões, mais simples ainda: respeito x aceitação para ficarmos no simplório.

A seu favor, o filme tem o fato de não ser panfletário. Contra, o de não deixar muito claras suas convicções. A fórmula da comédia rápida se confunde com seqüências inteiras de debates mais sérios. Parece ter receio de se transformar num filme com público-alvo, mas tampouco mostra maior consistência cômica. Nessa troca tons, nenhum predomina e há a sensação de muito barulho por pouco. Leonor Watling, no entanto, consegue encontrar o equilíbrio entre o histriônico e o dramático, o que parecia ser muito difícil nos minutos iniciais do filme. Mas sua boa interpretação não é o suficiente para que este filme ganhe uma alcunha melhor do que "simpático".

MINHA MÃE GOSTA DE MULHER
A Mi Madre Le Gustan Las Mujeres, Espanha, 2002.
Direção e Roteiro: Daniela Fejerman e Inés París.
Elenco: Leonor Watling, Rosa María Sardà, María Pujalte, Silvia Abascal, Eliska Sirová, Chisco Amado, Xabier Elorriaga, Álex Angulo, Aitor Mazo, Sergio Otegui, Fernando Colomo.
Fotografia: David Omedes. Montagem: Fidel Collados. Direção de Arte: Soledad Seseña. Música: Juan Bardem. Figurinos: Vicente Ruiz. Produção: Fernando Colomo e Beatriz de la Gándara.

25 de out. de 2004

O VELHO E O NOVO

Woody Allen congela o tempo e parte em busca de um herdeiro



Woody Allen está velho. Os anos passam e a irreverência se acomodou. Os últimos filmes do diretor que virou marca de inteligência indicam que seu humor está cada vez mais gasto, preguiçoso, infrutífero. Dirigindo no Escuro, que estreou no ano passado no país, parecia o fundo do poço construído a partir dos três desacertos consecutivos de Allen desde o fim da década de noventa. Um filme sem graça, óbvio, cheio de piadas fáceis e até grosseiras. Os mais crentes (e os mais dissimulados) viram no longa um retorno às origens do pastelão, mas o filme tem cadeira garantida entre os piores trabalhos daquele que já foi o grande cineasta da Nova York urbana, inteligente, artista. Um trabalho com pouco esmero, com uma cada vez maior despreocupação plástica, um filme cansado. A boa notícia é que Dirigindo no Escuro realmente não poderia ser superado.

Em Igual a Tudo na Vida, está clara uma nova fase, ou pelo menos uma pausa para a reflexão em algum café de Manhattan. Woody Allen revela a seu público que sabe que envelheceu. E que sabe que não deixou herdeiros para o posto de cronista maior do mundo contemporâneo, da vida intelectual, da intelligentsia das metrópoles. No longa, ele é o velho escritor que coadjuva o jovem colega, protagonista do filme (vivido com dedicação por um talentoso Jason Biggs). É ele que aconselha, que indica caminhos para um personagem que é seu espelho. A afirmação a seguir pode até ser vista como uma grande bobnagem, mas o roteiro de Igual a Tudo na Vida metaforiza a vida do próprio Woody Allen. É nesse filme que ele escolhe seu herdeiro (ou que deixa clara esta intenção). É aqui que ele mostra que sua preocupação agora é continuar, prosseguir. Como um replicante que luta contra o tempo para não ser desligado, Allen, inquieto, decide permanecer. Isso se reforça no texto, melhor, e na construção estética do filme, fotografado por Darius Khondji. E é por isso que este filme vai muito além de qualquer outro trabalho seu nos últimos cinco anos: porque ele é tão sincero quanto inteligente.

IGUAL A TUDO NA VIDA
Anything Else, Estados Unidos/França/Holanda/Grã-Bretanha, 2003.
Direção e Roteiro: Woody Allen.
Elenco: Jason Biggs, Christina Ricci, Woody Allen, Stockard Channing, Danny DeVito, KaDee Strickland, Jimmy Fallon, Fisher Stevens, Anthony Arkin, Diana Krall, William Hill.
Fotografia: Darius Khondji. Montagem: Alisa Lepselter. Direção de Arte: Santo Loquasto. Figurinos Laura Jean Shannon. Produção: Letty Aronson. Site Oficial: : www.anythingelse-themovie.com.

nas picapes: Cheek to Cheek, Fred Astaire.

22 de out. de 2004

UM LUGAR NO MUNDO

Mais um filme mostra a falta de esperança dos argentinos no próprio país



O cinema argentino é melhor que o brasileiro. Pelo menos, é isso o que indica a média dos filmes portenhos que chegam por aqui. Mesmo em meio ao caos econômico-administrativo que se apodera da nação há quatro anos, os argentinos não perderam a mão na câmera e ainda subvertem a situação política como base para a criação de novos roteiros. Lugares Comuns é um bom exemplo, apesar de sua formalidade. O filme de Adolfo Aristarain, do bom (e execrado pelo Oscar) Um Lugar no Mundo (91), acompanha um casal que vira vítima dos cortes de verbas do regime por causa da idade. A demissão é o ponto de partida para uma dissertação sobre pátria, êxodo e ideologia. O tom é professoral, acompanhando a profissão do protagonista. Aristarain opta pela crítica mais imediata ao país em que vive. Opta pelo cinema de emoções básicas. O resultado é válido, bonito, corretinho, mas fica anos aquém da inteligência narrativa que sua conterrânea Lucrecia Martel esbanja em O Pântano, onde a desesperança surge da completa falta de rumo dos personagens, estagnados em suas próprias limitações, acomodados e inertes diante do que não se explica, do que não tem nome. Aquele sim, um caso de metáfora perfeita.

LUGARES COMUNS
Lugares Comunes, Espanha/Argentina, 2002.
Direção: Adolfo Aristarain.
Roteiro: Adolfo Aristarain e Kathy Saavedra, a partir do livro de Lorenzo F. Aristarain.
Elenco: Federico Luppi, Mercedes Sampietro, Arturo Puig, Carlos Santamaría, Valentina Bassi, María Fiorentino, Claudio Rissi, Osvaldo Santoro, José Soriano, Yael Barnatán.
Fotografia: Porfirio Enríquez. Montagem: Fernando Pardo. Direção de Arte: Abel Facello. Produção: Adolfo Aristarain e Gerardo Herrero.

nas picapes: Hollywood, Los Hermanos.

A COR DA VERDADE

Segundo filme de espião de Matt Damon aposta na fotografia documental



Fotografia, teu nome é azul. É impressionante como retirar a cor de um filme funciona para aproximá-lo de uma visão realista dos fatos. O problema sempre é a exaustão da fórmula, que virou regra há alguns anos, sobretudo no cinema de ação. A Supremacia Bourne segue bem essa equação. O resultado da segunda investida de Matt Damon como espião no cinema, embora traga pouca novidade, saiu até mais que correto, possivelmente talvez pela escolha do diretor Paul Greengrass, do belo Domingo Sangrento. O cineasta mascara sua releitura dos filmes do gênero sob a plástica do documental. Funciona. Até porque Damon incorpora bem o espírito do personagem. A história de vingança do protagonista é bem desenvolvida e bem transportada para o celulóide. Apesar de ter até Moby com uma ótima canção na trilha, o gosto é de antigo, mas não de passado.

A SUPREMACIA BOURNE
The Bourne Supremacy, EUA/Alemanha, 2004.
Direção: Paul Greengrass.
Roteiro: Tony Gilroy, baseado na novela de Robert Ludlum.
Elenco: Matt Damon, Franka Potente, Brian Cox, Julia Stiles, Karl Urban, Gabriel Mann, Joan Allen, Landy Marton Csokas, Tom Gallop, John Bedford Lloyd, Ethan Sandler, Michelle Monaghan, Karel Roden, Tomas Arana, Oksana Akinshina, Jevgenij Sitochin, Marina Weis-Burgaslieva, Chris Cooper.
Fotografia: Oliver Wood (com fotografia adicional de Mitchell Amundsen). Montagem: Richard Pearson e Christopher Rouse. Direção de Arte: Dominic Watkins. Música: John Powell. Figurinos: Dinah Collin. Produção: Patrick Crowley, Frank Marshall e Paul Sandberg. Site Oficial: www.thebournesupremacy.com.

nas picapes: Extreme Ways, Moby.

20 de out. de 2004

RANKING SETEMBRO



1 Amor à Tarde, Éric Rohmer (8,83)
2 O Agente da Estação, Thomas McCarthy (6,75)
A Vila, M. Night Shyamalan (6,75)
4 Redentor, Cláudio Torres (6,66)
5 À Margem da Imagem, Evaldo Mocarzel (6,50)
6 O Terminal, Steven Spielberg (6,10)
7 A Supremacia Bourne, Paul Greengrass (5,40)
8 Aliens vs. Predador, Paul Anderson (4,16)
9 Rei Arthur, Antoine Fuqua (3,25)
10 Para Sempre na Minha Vida, G. Muccino (2,75)
11 Cama de Gato, de Alexandre Stockler (2,41)
12 Voltando para Casa, de Agnieska Holland (1,75)

os filmes vistos por apenas uma pessoa:

O Enviado, A Jornada de James para Jerusalém e Show de Vizinha.

filmes que ninguém viu:

O Agente Teen 2, Anaconda 2, Irmãos de Fé, Irmãs Gêmeas, A Paixão Segundo Martins e Yu-Gi Oh! O Filme.

A votação foi simples. Notas de zero a dez para os filmes que estrearam no Rio de Janeiro ou em São Paulo em setembro. Convoquei dez colegas que têm blogues de cinema para participar. A idéia era eleger os melhores filmes do mês. E o velho Éric Rohmer ganhou fácil num mês com filmes fracos ou controversos. O novo final surpresa de M. Night Shyamalan ainda se deu bem, apesar de algumas notinhas baixas. Injustamente, a estréia de Alexandre Stockler não ficou na lanterninha. Os filmes vistos por apenas uma pessoa não entraram no ranking por motivos óbvios. Todo dia 20 do mês vai ter uma listinha aqui.

voto a voto

Ailton Monteiro
Cama de gato (4), Redentor (7), Rei Arthur (3), Show de vizinha (6), A Supremacia Bourne (7), O terminal (6), A Vila (9)

Antônio Santos
A Vila (9)

Chico Fireman
Cama de gato (0), Redentor (7), Rei Arthur (3), A Supremacia Bourne (6,5),
O terminal (6), A Vila (4)

Diego Maia
Alien X Predador (3,5), Rei Arthur (4), A Supremacia Bourne (6), O terminal (6,5), A Vila (8)

LeoN
O Agente da Estação (8), Alien X Predador (7), A Vila (0), Voltando para casa (2)

Marcelo V.
Cama de gato (4), Redentor (6,5), A Vila (8,5)

Peerre
Para sempre na minha vida (0), A Vila (9)

Sérgio Alpendre
O Agente da Estação (7), Amor à tarde (9,5), Cama de gato (0), Redentor (7), O terminal (6), A Vila (8,5)

Tiago Superoito
À margem da imagem (6), O Agente da Estação (5), Alien X Predador (2), Amor à tarde (8,5), Cama de gato (4), O enviado (3), Redentor (5), Rei Arthur (3), A Supremacia Bourne (5,5), O terminal (6), A Vila (3,5)

Tobey, na Acer
À margem da imagem (7), O Agente da Estação (7), Amor à tarde (8,5),
Cama de gato (2,5), A jornada de James para Jerusalém (7), Para sempre na minha vida (5,5), Redentor (7,5), A Supremacia Bourne (2), A Vila (8),
Voltando para casa (1,5)

16 de out. de 2004

GOSTO DOS OUTROS: KAREN CUNHA



A Karen Cunha pode até não saber, mas é uma das mulheres mais cool da web. A dona do blog Quero Ser Jeanne Moreau aceitou participar da brincadeira desta seção e indicou seus dez filmes favoritos, sem ordem de preferência:

Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), Jacques Demy.
Amo musicais em que a música está a serviço da história e não o contrário. Poderia citar aqui Amores Parisienses, Duas Garotas Românticas, mas foi o roteiro redondinho e a fotografia linda que me fizeram votar neste como um dos melhores musicais de todos os tempos. Uma aula de cinema, a história aparentemente boba esconde uma profundidade incrível, o ritmo é tão bom que você nem vê que o tempo passou. Sem falar dos atores, das músicas....

O Gosto dos Outros (2001), Agnès Jaoui.
Este filme está aqui por três motivos: representar os filmes de tese (que eu adoro), simbolizar a sagacidade no cinema (que podia vir do Todd Solondz, do P.T. Anderson ou do John Waters) e por ter a Agnès Jaouí que é uma das melhores atrizes/roteiristas/diretoras da atualidade, além de trazer de na bagagem todo o seu staff de amigos talentosos (Resnais, Sabine Azéma, Jean-Pierre Bacri). O filme é forte, curto e grosso, usa a cultura pra falar dela própria, um tapa na cara....

Uma Mulher para Dois (1961), François Truffaut.
Dispensa apresentações. A história de triângulo amoroso mais linda da história do cinema. Vai representar o Truffaut para que eu não seja obrigada a fazer uma lista só dele... E tem a Jeanne Moreau... (suspiro)

Uma Mulher é Uma Mulher (1961), Jean-Luc Godard.
Godard engraçadinho, cores bonitas, Anna Karinna, Jean-Claude Brialy, Jean-Paul Belmondo, Raoul Coutard, Nouvelle Vague até a medula, uma grande piada interna. Que mais eu posso querer? Para quem está apaixonado, para quem está amargurado.... Pra sair do cinema e dançar....

A Professora de Piano (2001), Michael Haneke.
Descobri que era louca após assistir este filme. Todo mundo achando absurdo e eu não conseguia parar de chorar. Acabou o filme e resolvi que minha vida iria mudar completamente. Simples assim. Quando um filme causa um impacto desses na sua vida, ele merece estar entre os mais importantes, não acham?

O Discreto Charme da Burguesia (1972), Luis Buñuel.
Filme político, filme surreal, filme de comédia. O que dizer dessa obra-prima?

Bianca (1984), Nanni Moretti.
Escolhendo esse fico livre de ter que optar entre algum filme do Woody Allen. Nanni Moretti é o cara. Vai fundo com uma sutileza inacreditável. Ele é como uma enfermeira que te aplica uma injeção dolorida de forma tão delicada que você nem sente a dor. Poderia citar qualquer outro filme dele porque o cara é demais.

Todas as Mulheres do Mundo (1967), Domingos de Oliveira.
O filme é lindo, perfeito e o cara merece uma citação, afinal fez coisas espetaculares como o excelente Edu, Coração de Ouro. Tá certo que fez coisas tenebrosas também, mas este filme o redime de qualquer bobagem. E não deixa de ser mais uma oportunidade de homenagear o nosso amigo Truffaut.

O Sopro no Coração (1971), Louis Malle.
Este filme tem tudo o que falta em Os Incompreendidos. Ágil, sagaz, engraçado, piadas impagáveis, cores bonitas e você nem percebe que o filme é comprido.

A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), Mel Stuart.
Filme de infância, sei as falas de cor, assisti milhares de vezes. A fotografia é linda, a música é bem utilizada, encanta pessoas de todas as idades... Por que não? Falem o que quiserem, eu adoro o Gene Wilder. Poderia ter colocado Grease, aqui também que teria o mesmo efeito.

Karen Cunha, 23, tem brincado de DJ nos bares de São Paulo, adora cores bonitas, é fã da nouvelle vague, estremece ao ouvir o nome Raoul Coutard, está ansiosa pela Mostra de Cinema Internacional, sofreu muito ao fazer esta lista (principalmente tendo que omitir seu amor incondicional pelo Truffaut) e continua sim, querendo ser a Jeanne Moreau. Quando for imperadora (sim, porque imperatriz é a mulher do Imperador) vai fazer um grande cineclube no Largo do Arouche. Base de operações: São Paulo, SP.

11 de out. de 2004


PRATO QUE SE COME REQUENTADO

Novo volume de Kill Bill desmente "Tarantino mais maduro"



O questionamento mais imediato que pode ser feito sobre os dois volumes de Kill Bill é como eles podem ser tão díspares entre si. A saga de vingança de Uma Thurman segue um caminho no primeiro dos filmes gêmeos e se transforma radicalmente no longa que está em cartaz. E isso não é necessariamente bom. Kill Bill: Vol. 1 era um filme à parte dentro da obra de Quentin Tarantino. O diretor verborrágico havia, finalmente, conseguido transferir suas incontáveis referências do texto para o material filmado. A construção de seu filme priorizava a imagem ao diálogo - a fotografia nunca havia sido tão bela no cinematografia de Tarantino.

A história proposta pelo cineasta, um típico produto de sua mente fértil, foi contada com um inédito domínio técnico e artístico. Não que seus filmes anteriores seguissem fórmulas padronizadas. Pelo contrário, Tarantino é o maior responsável pela linguagem que redefiniu o cinema pop dos anos 90 para cá. Mas a fratura das linha espaço-temporal nunca o transformou num cineasta de excelência. O volume 1 de sua saga parecia ser o ponto mais alto do diretor nesse sentido. Tarantino estava muito mais à vontade com o suporte que escolheu para trabalhar. Parecia mais maduro no tratamento de imagem, na cristalização das referências, numa tranqüilidade maior ao se expressar. O texto, que continuava afiado, era apenas a base para a criação. E o filme é coeso, bem estruturado, belissimamente fotografado. Seria a vitória da estrutura no cinema de Tarantino, que finalmente (e corajosamente) abdicava do que o consagrou.

Esse volume 2, então, decepciona porque volta no tempo e ignora os avanços na mão do diretor. A questão não é que Kill Bill: Vol. 2 seja um filme ruim. Ele definitivamente não o é, mas é muito inferior à primeira parte. O cuidado com a imagem ainda existe, mas o filme volta a se apoiar em contar uma historinha, como se Tarantino tivesse reservado para a segunda fase de sua saga uma dezenas de explicações que gostaria de ter dado antes. Com seus flashbacks didáticos e seu texto mais interessado em fazer gracinhas, o filme prejudica bastante a interpretação de Uma Thurman (ótima, no volume 1), resumida a uma personagem atrapalhada e cheia de caras e bocas.

Se o filme anterior conseguia se manter no exato limite entre o pop inteligente e o exagero ridículo, sem nunca invadir o espaço aéreo do segundo, o novo longa parece querer mergulhar com prazer e sem medo no patético, sem muita chance de emergir. Isso é flagrante desde o começo nas tramas e textos dos personagens de Michael Madsen e Daryl Hannah, francamente desperdiçada depois da minúscula e deliciosa participação no volume 1. O duelo entre Uma e Daryl não chega aos pés das seqüências de lutas entre a protagonista e as personagens de Vivica A. Fox e Chiaki Kariyama, que permanece como a melhor coadjuvante dos dois episódios.

A influência dos western-spaghetti fica mais evidente, mas nem essa suposta homenagem aos planos de maravilhoso Sergio Leone conseguem livrar este segundo volume do triste destino da comparação. As diferenças entre os tons dos dois filmes fazem questionar se Tarantino realmente tinha a intenção de lança-los como um só longa-metragem. Se a idéia era essa, dividir a história parece ter sido uma solução inteligente ou pelo menos eficaz. Caso Kill Bill fosse um só filme, talvez tivesse tido o impacto bem menor sobre a platéia. Porque este episódio complementar não chega aos pés do primeiro.

KILL BILL: VOL. 2
Kill Bill: Vol. 2, EUA, 2004.
Direção: Quentin Tarantino.
Roteiro: Quentin Tarantino e Uma Thurman.
Elenco: Uma Thurman, David Carradine, Michael Madsen, Dary Hannah, Gordon Liu, Samuel L. Jackson, Michael Parks, Vivica A. Fox, Lucy Liu, Bo Svenson, Christopher Allen, Larry Bishop, Clark Middleton, Perla Haney-Jardine, Helen Kim, Laura Cayouette, Reda Beebe, Sid Haig, Jeannie Epper, Stephanie L. Moore, Shana Stein, Caitlin Keats, Claire Smithies.
Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Sally Menke e John D'Augustine. Direção de Arte: David Wasco e Cao Jiuping. Música: Robert Rodriguez e RZA. Figurinos: Kumiko Ogawa e Catherine Marie Thomas. Produção: Lawrence Bender. Site Oficial: www.killbill.movies.go.com.

nas picapes: Black, Pearl Jam.

4 de out. de 2004

SUBURBANO E INOCENTE

Retrato do cotidiano no Grande ABC sofre com amadorismo de atores



Garotas do ABC é filme cheio de problemas. O maior deles talvez seja parecer ter sido concebido de uma forma ingênua, quase primária. Carlos Reichenbach, do alto de sua experiência como cineasta, continua com o péssimo hábito de selecionar atores muito mal. Quase todos os novatos ou desconhecidos são muito ruins, com atuações flagrantemente fracas, porém levadas a sério (ou ignoradas em sua precariedade) pela direção. Selton Mello, por outro lado, compõe um personagem com tanto exagero que se perde na tentativa de profundidade. A qualidade das performances prejudica muito a intenção do filme, que parece ser a de estabelecer um mosaico de pequenos personagens do ABC.

A maior qualidade do filme reside justamente no estabelecimento desta atmosfera suburbana: ela existe e permeia toda a projeção, mas os dramas dos personagens, que existem em tanta profusão quanto num filme de Robert Altman ou num romance de Agatha Christie, são muitos e mal desenvolvidos. A suposta protagonista, a belíssima e fraquinha Michelle Valle, é abandonada em diversos momentos da trama, como se as histórias paralelas conseguissem se sustentar sozinhas. Existe um certo cuidado com a fotografia, que consegue alguns momentos inspirados com o posicionamento ou a movimentação de câmera (que às vezes, inclusive, é usada em demasia).

O filme consegue ser muito mais simpático quando é raso, cotidiano, convencional. Quando o diretor tenta criar um caráter psicólógico à história do herdeiro da pedreira e de seu amigo dependente de remédios, usa imagens metafóricas que vão do óbvio (pedras explodindo) ao grotesco (esqueletos artificais à beira-mar). Garotas do ABC é muito irregular, embora Reichenbach consiga dar um desfecho simplérrimo e muito eficiente à paixão de sua mocinha por heróis de filmes de ação.

GAROTAS DO ABC: AURÉLIA SCHWARZENEGA
Garotas do ABC: Aurélia Schwarzenega, Brasil, 2004.
Direção e Roteiro: Carlos Reichenbach.
Elenco: Fernando Pavão, Ênio Gonçalves, Selton Mello, Antônio Pitanga, Michelle Valle, Vanessa Alves, Natália Lorda, Luciele Di Camargo, Vanessa Goulart, Fernanda Carvalho Leite, Rocco Pitanga, Dionísio Neto, Eduardo Sofiatti, Milhem Cortaz, Fabio Ferreira Dias, Adriano Stuart, Vera Mancini, Ângela Corrêa, Márcia de Oliveira, Viviane Porto, Lina Agifu, Kelly di Bertolli, Ana Cecília Costa, Mariana Loureiro, Neide de Deus, Fafá de Belém, Paulo Bordhin, Carlos Reichenbach, Zé Ricardo.
Fotografia: Jacob Sarmento Solitrenick. Montagem: Cristina Amaral. Direção de Arte: Luis Rossi. Música: Nelson Ayres. Figurinos: Carolina Li. Produção: Sara Silveira.

nas picapes: Get the Message, Electronic.

2 de out. de 2004

O FIM DO ANO, ANTECIPADO

Para quem quiser começar a ir pensando nos seus votinhos para melhores do ano, estou atualizando aos poucos aqui a lista de estréias dos filmes nos cinemas brasileiros em 2004.


 
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