[f i l m e s d o c h i c o]

21 de jun. de 2003

+ Velozes + Furiosos



Imagine que você adora carros e não deixa escapar a chance de se exibir para as garotas. Participa de rachas em máquinas altamente sofisticadas, com designs arrojados, cores metálicas e neon no piso. Tudo muito descompromissado, curtindo o que há de bom nessa vida. Adrenalina, sexo, diversão. Velozes e Furiosos (01) é assim. A celebração da falta de cérebro e da intenção em se ter um. O filme é tão competente em sua exacerbação de demência que fez muitos milhões de dólares no mundo inteiro e ainda rendeu o Schwarzenegger contemporâneo, Vin Diesel, à condição de astro.

Como um é pouco, não demorou muito para que sua continuação chegasse aos cinemas. Mais Velozes Mais Furiosos (03) se arrisca por um caminho diferente do primeiro longa: tenta contar uma história. Enquanto no filme original, o que importava era como os descerebrados se relacionavam e o quão rápido eles poderiam correr, aqui o co-astro Paul Walker precisa fazer um servicinho para a polícia para limpar sua ficha. Com uma idéia como esta, dificilmente a produção escaparia do destino que cumpre com tanta obstinação: ser um filme ruim.

Sem Vin Diesel - nem ele foi convencido pelo roteiro - Mais Velozes Mais Furiosos aposta nas cenas de perseguição pelas ruas de Miami (ou do que usaram para as locações). Os diálogos são perfeitos para este tipo de filme: curtos (para não fazer pensar muito), sem palavras muito difíceis (porque dicionário passa longe do espectador disso aqui) e cheio de frases conhecidas e de rápida assimilação, como "yeah", depois de uma corrida bem sucedida. O mais surpreendente é o que diretor por trás disto tudo seja John Singleton, cineasta de Boyz N'The Hood (91), o principal herdeiro de Spike Lee na temática racial. Mas deve ser assim mesmo. Está cada vez mais fácil celebrar a estupidez.

Mais Velozes Mais Furiosos
2 Fast 2 Furious, EUA, 2003
Direção: John Singleton
Elenco: Paul Walker, Tyrese, Eva Mendes, Cole Hauser, Ludacris, Thom Barry, James Remar, Devon Aoki, Amaury Nolasco, Michael Ealy, Jim Auyeung,
Roteiro: Michael Brandt e Derek Haas, baseados nos personagens Gary Scott Thompson. Produção: Neal H. Moritz. Fotografia: Matthew F. Leonetti. Direção de Arte: Keith Brian Burns. Edição: Bruce Cannon e Dallas Puett. Música: David Arnold. Figurinos: Sanja Milkovic Hays.

A Festa Nunca Termina

Manchester, final dos anos 70. Um show dos Sex Pistols. Na platéia, integrantes do Joy Division, Simply Red e Durutti Collumn, entre outros. Começava uma nova era na história do rock. Começava a era da Factory. O jornalista Tony Wilson, apresentador da TV inglesa, inicia sua jornada pela música pop, conhecendo, promovendo e apresentando novas bandas de rock para o mundo. A primeira delas é a maior de todas, o Joy Divison.

O Joy Divison torna-se a primeira grande aquisição da Factory Records, a gravadora montada por Wilson e seus amigos. O fenômeno em torno da banda é maior que seu líder, vocalista e letrista, Ian Curtis, que cede sua vida em troca de paz. O tempo passa e a evolução continua. Os integrantes remanescentes resolvem continuar a tocar. Surge o New Order e a clássica Blue Monday.

A Factory explode na popularidade, o que reverte na vida pessoal de Wilson, que sofre abalos sísmicos em seu casamento. Novos grupos vêm. O James, o Happy Mondays. Surge o Hacienda, um dos mais clássicos dance clubs de todos os tempos. A música toma conta de tudo, de todos, de poros e de sensores. Muda, evolui, se esconde, aparece, aumenta, diminui, procura e destrói. Manchester, a Inglaterra, a Europa e o mundo se rendem ao som. São anos a fio de acordes múltiplos. De conquista e envolvimento. Época em que se determina comportamento, modo de vida e som.

Esse é o cenário da Inglaterra e do rock moderno durante as décadas de 80 e 90. E este também é o cenário de A Festa Nunca Termina, o melhor filme de rock'n'roll dos últimos anos. O roteiro narra a trajetória de Wilson e de seus coadjuvantes de luxo, as maiores bandas do rock inglês em vinte anos. O longa faz parte de uma estirpe que cresce a cada dia, a de filmes sobre música feitos por pessoas apaixonadas por música. Quase Famosos (00) e Hedwig (00) são os melhores exemplos.

A Festa Nunca Termina é prato cheio pra quem gosta de rock e de cinema de qualidade. É música por todos os poros. O rock conduz cada cena, da edição inteligente ao próprio roteiro, que é contado com ajuda de canções clássicas. O disco, obrigatório, ajuda a narrar o surgimento e o fim de uma saga. O desconhecido Sean Harris recebe uma incumbência enorme: dar vida a uma lenda, Ian Curtis, do Joy Division. E o novato não é menos que espetacular.

O protagonista Steve Coogan está genial como Tony Wilson. Encarna o apaixonado que se deixa levar pelo espírito da música pop. Que viajou durante anos no sonho do rock'n'roll, que embalou a minha, a sua e a vida dele. Coogan conversa o tempo inteiro com o espectador, que se torna seu maior confidente, sua cara metade. Do jeito que Michael Winterbottom desenvolve todas as faces de seu filme, é impossível não ser cooptado para uma Manchester fascinante. É impossível não sair fascinado do cinema.

A Festa Nunca Termina
24 Hour Party People, Grã-Bretanha/França/Holanda, 2002
Direção: Michael Winterbottom
Elenco: Steve Coogan, Keith Allen, Dan Hope, Paddy Constantine, Andy Serkis, John Thomson, Shirley Henderson, Lennie James, Martin Hancock, Sean Harris, Chris Coghill, Mark Windows, John Simm, Ralf Little, Danny Cunningham, Raymond Waring. Roteiro: Frank Cottrell Boyce. Produção: Andrew Eaton. Fotografia: Robby Müller. Direção de Arte: Mark Tildesley. Edição: Trevor Waite e Michael Winterbottom. Figurinos: Stephen Noble e Natalie Ward.

18 de jun. de 2003

A Outra História Americana

Tony Kaye é o típico cineasta de um filme só. A Outra História Americana é seu único longa. Seu trabalho seguinte não chegou a ser lançado nem nos EUA. Kaye nem precisaria fazer outro filme. Este aqui já é para uma vida toda. Seus detratores o acusam de abusar da linguagem de videoclipe na câmera lenta e no clichê do flashback em preto-e-branco, mas A Outra História Americana reúne os lugares comuns e os transcende, sobretudo por causa da surpreendente doçura que o diretor empresta a uma história cheia de ódio. As cenas são feitas com precisão e com intensidade. O impacto é absorvido pelo espectador nas seqüências de violência e nas discussões de família.

Apesar de toda a competência técnica o envolvendo, o mérito maior deste filme é de um jovem ator chamado Edward Norton. Fazer o papel de um neonazista pode parecer muito fácil: uma conjunção de caras e bocas e um jeito de mau. Norton faz isso tudo e foge, absolutamente, de tudo o que pode ser entendido como chavão. A transformação de sua personagem, que transita com facilidade entre a ira e a delicadeza, é impressionantemente natural, como se fosse conduzida por uma melodia. Esse detalhe conduz toda a narrativa: o crime, a prisão, a vida da família, a volta para casa. Tudo costurado com cuidado e sem concessões. E Norton está bem acompanhado: Beverly D'Angelo e Jessica Lien são contrapontos perfeitos para seu papel. E Edward Furlong é a mais grata surpresa do elenco. O melhor de tudo é que, apesar de ser um filme com mensagem, A Outra Face Americana nunca é óbvio (por sinal, é muitas vezes surpreendente), o que já é um ponto a favor no cinema atual.

A Outra História Americana
American History X, EUA, 1998
Direção: Tony Kaye
Elenco: Edward Norton, Edward Furlong, Beverly D'Angelo, Jennifer Lien, Ethan Suplee, Fairuza Balk, Avery Brooks, Elliott Gould, Stacey Keach, William Russ, Antonio David Lyons.
Roteiro: David McKenna. Produção: John Morrissey. Fotografia: Tony Kaye. Edição: Jerry Greenberg e Alan Heim. Direção de Arte: Jon Gary Steele. Música: Anne Dudley. Figurinos: Doug Hall

14 de jun. de 2003

Dupla Explosiva: Ecks vs Sever

Foi por uma boa causa. Fui ao cinema ver este filme por uma boa causa. Ninguém precisa se chocar ou me xingar. A companhia valia a pena. Tinha prometido que filme com o Antonio Banderas a partir de agora somente se o diretor fosse confiável, o que não é esse caso. Mas terminei indo ver este filme, realmente explosivo. Uma bomba em todos os sentidos. No roteiro ruim de tantos clichês, nas interpretações sofríveis de Banderas e do vilãozinho Gregg Henry e, sobretudo, no visual mamãe-eu-quero-ser-moderno. Lucy Liu, deliciosamente destruidora em O Troco (99), não é razão suficiente para ver o filme. E o pior de tudo: o diretor assina como Kaos. Alguém que tem coragem pra fazer isso merece o ostracismo que o filme conseguiu nas bilheterias.

Dupla Explosiva: Ecks vs Sever
Ballistic: Ecks vs Sever, EUA, 2003
Direção: Kaos (Wych Kaosayananda)
Elenco: Antonio Banderas, Lucy Liu, Gregg Henry, Talisa Soto, Ray Park, Miguel Sandoval, Aidan Drummond.

Desmundo

Desmundo

Alain Fresnot ainda não fez o suficiente para provar seu talento no cinema. Seu longa anterior, Ed Mort (96), aproveita mal um bom personagem numa história chata e desinteressante. Nesse Desmundo, o cineasta recria uma época com eficiência técnica, mas não é capaz de tornar sua narrativa atrativa. Falta ritmo. Falta capacidade de envolver o espectador. Desmundo parece um livro de histórica, com muita informação, mas sem carisma. A embalagem parece justa, o visual é sujo como era a época, o português falado no filme é o arcaico, mas todo esse preciosismo deve ter empurrado para dentro das belas matas do filme o roteiro, escrito pelo próprio diretor, com participação da cineasta responsável por Durval Discos.

Osmar Prado e Berta Zemel, numa aparição raro vista no cinema, conseguem dar os melhores momentos do longa, o que não é suficiente para torná-lo interessante. Simone Spoladore, com maquiagem para esconder sua beleza, está opaca. Desmundo parece oco, envelhecido, pouco profundo. A sensação é de casca colorida e fruta ressecada. A culpa pode até ser atribuída ao próprio romance de Ana Miranda, que pode ter ficado perdido no tempo, mas não parece. Aqui temos um caso de roteiro que não sabe contar uma história do modo como ela deveria ser contada. O maior problema do cinema brasileiro.

Desmundo
Desmundo, Brasil, 2003
Direção: Alain Fresnot.
Elenco: Simone Spoladore, Osmar Prado, Caco Ciocler, Berta Zemel, Beatriz Segall, José Eduardo, Débora Olivieri, José Rubens Chachá, Cacá Rosset, Giovanna Borghi, Laís Marques, Arrigo Barnabé.
Roteiro: Sabrina Anzuategui, Alain Fresnot e Anna Muylaert, baseados na novela de Ana Miranda. Produção: Alain Fresnot e Van Fresnot. Fotografia: Pedro Farkas. Edição: Junior Calone, Alain Fresnot e Mayalu Oliveira. Direção de Arte: Francisco Andrade e Adrian Cooper. Música: John Neschling.

4 de jun. de 2003

O Gigante de Ferro



Os filmes de animação mudaram muito nos últimos anos. Como era preciso modernizar os desenhos para inseri-los no mundo pop dos dias atuais, a obviedade dos contos de fadas passou a ser driblada e as referências viraram obrigatórias. Fazer filmes cada vez mais inteligentes se transformou no principal desafio de quem trabalha com a animação, o que resultou em longas riquíssimos, como South Park (99), A Fuga das Galinhas (00) e o mais radical de todos, Shrek (01). Mas apesar da inegável qualidade destes filmes, uma coisa parece que foi relegada a segundo plano no novo conceito de animação: a doçura.

Qualquer tentativa de fazer um filme com resquícios de delicadeza virou pecado mortal no cinema moderno. Velocidade, citações e variações plásticas derivadas da tecnologia ganharam mais importância, em detrimento da simplicidade. Grande parte desta mudança no conceito atual de animação deve-se, sobretudo, à própria crise criativa dos longas tradicionais, sobretudo os da Disney, a major favorita da criançada. Fazer um filme inteligente e emotivo parecia contraditório. As apostas do estúdio na segunda metade da década passada foram frustradas, exceto pelos longas da Pixar. Mas é justamente de onde surgiu o motivo da crise (os estúdios concorrentes) que surgem os exemplos do quão bom pode ser um filme simples.

No ano passado, o exemplo foi o longa A Era do Gelo, de Chris Wedge, com co-direção do brasileiro Carlos Saldanha, feito nos moldes clássicos da Disney fora do estúdio. Mas algum tempo antes já existia O Gigante de Ferro. O filme de Brad Bird não chegou a passar nos cinemas brasileiros, apesar de um lançamento no Animamundi de 2000. Erro crasso da equivocada distribuição nacional. Bird, com a história simples de um robô gigante encontrado por um garoto, fez uma obra-prima da simplicidade e da beleza. Os traços clássicos remetem ao que a Disney fazia até os anos 60, mas, ao contrário dos contos de fadas que viravam roteiro para a turma do Mickey Mouse, O Gigante de Ferro aposta no realismo, no naturalismo.

Falar sobre as coisas pequenas sempre é complicado. Difícil mesmo. Falar de amizade sem cair na pieguice, então, quase impossível. O filme de Brad Bird disserta sem fazer discurso não apenas sobre amizade, mas sobre a delicadeza, que muitas vezes é o que falta na vida e no olhar que as pessoas têm do mundo. O Gigante de Ferro conversa com as crianças de igual para igual, abdicando do recurso fácil da linguagem e videoclipe e da violência. Doce, terno, simples e principalmente puro. Como tem que ser.

O Gigante de Ferro
The Iron Giant, EUA, 1999
Direção: Brad Bird.
Elenco: Eli Marienthal, Harry Connick Jr., Jennifer Aniston, Cloris Leachman, Vin Diesel, James Gammon, Christopher McDonald, John Mahoney, M. Emmet Walsh.
Roteiro: Tim McCanlies, inspirado na história de Brad Bird, baseado no livro de Ted Hughes. Produção: Allison Abbate e Dês McAnuff. Fotografia: Steven Wilzbach. Edição: Darren T. Holmes. Desenho de Produção: Mark Whiting. Música: Michael Kamen.


 
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