[f i l m e s d o c h i c o]

30 de ago. de 2004

DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU VI EM CASA



A DAMA DE SHANGAI (The Lady from Shangai, 1947, EUA, direção de Orson Welles) - há alguns hiatos na montagem que o harmonizam com o conjunto dos filmes noir. Rita Hayworth está luminosa no papel, mas quem dá um banho é Everett Sloane, que traz um personagem indefinível. Welles, cercado dos colaboradores habituais, mantém sua assinatura fresca. E a cena mais famosa ? a da sala de espelhos - é, com o perdão da obviedade, de uma competência assombrosa, típica de gente que deixou o nome escrito na história da arte.

GRANDE HOTEL (Grand Hotel, 1932, EUA, direção de Edmound Goulding) - bem melhor do que o esperado, com edição bem eficiente, bom desenvolvimento dos personagens (e boa direção de atores), e uma fotografia calculada, apesar de desperdiçar as muitas possibilidades do cenário por quase não explorar a profundidade. O destaque do elenco é Joan Crawford, que dá um banho na caricatura sem expressão de Greta Garbo, que diz aqui uma das frases mais famosas do século vinte: "I want to be alone".

JALLA, JALLA (Jalla, Jalla!, 2001, Suécia, direção de Josef Fares) - uma bobagem com raríssimos momentos realmente relevantes, que mais uma vez explora o tema recorrente e desgastado no cinema atual de casamentos arranjados.

MEDÉIA (Medea, 1967, Itália, direção de Píer Paolo Pasolini) - Pasolini e seus atores sem talento. O esplendor visual da fotografia e dos figurinos desta adaptação da tragédia de Eurípedes se perde no limitado poder de interpretação da diva Maria Callas e de seus coadjuvantes. No entanto, o que mais incomoda é que o filme sofre com os problemas sérios de roteiro, com buracos grotescos e repetições assustadoras (a seqüencia da vingança de Medéia se repete inexplicavelmente com desfechos e diálogos diferentes. Isso era proposital? Eu achei lastimável).

A PROMESSA (The Pledge, 2003, EUA, direção de Sean Penn) - trabalho mais que correto de Sean Penn atrás das câmeras (o episódio de 11 de Setembro continua sendo sua melhor direção), com um Jack Nicholson que, cada vez mais se mostra pronto para assumir a velhice. A multidão de bons atores se perde um pouco em pequenos papéis, mas há momentos memoráveis como a visita à psicóloga interpretada por Helen Mirren. O maior trunfo do filme é justamente desviar o foco inicial para um desfecho inesperado e trágico.

UMBERTO D. (Umberto D., 1951, Itália, direção de Vittorio De Sica) - o velhinho protagonista poderia ser melhor. Sua frágil interpretação, num filme que conta a história de seu personagem, enfraquece o monumental poder de narração de Vittorio De Sica. Ícone dos filmes sobre a velhice, perde feio para Morangos Silvestres (Ingmar Bergman, 57) e o recente As Confissões de Schmidt (Alexander Payne, 02). Ainda assim, De Sica, com a habilidade usual, passeia por uma Roma sem esperanças, menos bonita, mais real.

ZELIG (Zelig, 1983, EUA, direção de Woody Allen) - uma revisão revela que o pseudo-documentário de Woody Allen é muito mais poderoso do que se insinua. O diretor constrói um padrão de reconstrução da realidade, que viria a ser usado novamente com o aval do Oscar em Forrest Gump (Robert Zemeckis, 94), com exímia desenvoltura na concepção de fotografia e edição. O filme tem um texto inteligente e ainda traz as valiosas intercessões de intelectuais do porte de Susan Sontag.

28 de ago. de 2004

PEQUENO GRANDE HOMEM

Diretor argentino transforma folhetim clássico em filme delicioso



Valentin, ninguém queira se enganar, é uma novela mexicana. No caso, argentina. O filme do diretor Alejandro Agresti consome todos os clichês caros ao típico folhetim sul-americano: uma criança adorável como protagonista, uma velha ranzinza, mas de alma boa como contraponto, e a história de uma pequena tragédia pessoal como roteiro a seguir. Valentin, o homem, é um menino vesgo, escondido atrás de enormes óculos com muitos e muitos graus, abandonado pela mãe e criado pela avó por vontade do pai, que vive trocando de namorada, mas nunca encontra uma que agrade ao filho.

O que transforma o longa de Agresti no belíssimo filme que se vê é o cuidado com o desenvolvimento da história. Enquanto apresenta o cotidiano do seu pequeno protagonista apaixonado por música pop argentina, Agresti impressiona na capacidade de saltar do humor ingênuo e inteligente que não raro faz a platéia explodir para seqüências dramáticas extremamente bem resolvidas, como a do telefonema que anuncia uma partida. O diretor insinua solucionar todas questões abertas na trama e caminhar para um desfecho óbvio e redondinho, mas mal faz o espectador acreditar que caiu numa armadilha, encerra sua pequena história deixando a imaginação trabalhar.

VALENTÍN
Valentín, Argentina, 2002.
Direção e Roteiro: Alejandro Agresti.
Elenco: Rodrigo Noya, Julieta Cardinali, Carmen Maura, Jean Pierre Noher, Mex Urtizberea, Alejandro Agresti, Carlos Roffé, Lorenzo Quinteros, Marina Glezer, Stéfano Di Gregorio, Fabián Vena.
Fotografia: Jose Luis Cajaraville. Montagem: Alejandro Brodersohn. Direção de Arte: Floris Vos. Figurinos: Marisa Urruti. Música: Luis Salinas e Paul M. van Bruggen. Produção: Julio Fernández, Thierry Forte, Laurens Geels, Massimo Vigliar e Pablo Wisznia. Site Oficial: www.uolsinectis.com.ar/buenavista/valentin/indexf.htm.

nas picapes: El Justiciero, Mutantes.

BONITINHO, MAS ORDINÁRIO

Mais uma animação desanimada da Disney coloca em risco o futuro do desenho tradicional



É bem melancólico ter que anunciar que a falta de criatividade e, talvez o mais grave, de ousadia dos roteiristas podem decretar o fim da animação tradicional. Nem que a Vaca Tussa é o exemplo perfeito de que os estúdios de cinema cada vez dão menos atenção ao gênero para, provavelmente, poder se dedicar mais aos filmes criados em computador. A fórmula é a mesma de sempre: o bem vence o mal, sendo o bem encarnado numa vaquinha campeã de torneios e metida a besta e o mal, um ladrão de gado. Está tudo lá: os coadjuvantes fofinhos e engraçadinhos, o trajeto de dificuldades para percorrer e a falta de imaginação para se reescrever os estereótipos. Procurando Nemo, uma animação digital, por exemplo, também tem coadjuvantes fofinhos e engraçadinhos. Também lança um trajeto de dificuldades para seus protagonistas percorrerem, mas, além da força da magnífica criação visual, dribla os clichês com um texto inteligente e uma lição de moral muito menos óbvia que seus antepassados. Em Nem a Vaca Tussa, simpatiquinho como o quê, a lição é outra: a união deve fazer a forca do bom e velho filme de animação.

NEM QUE A VACA TUSSA
Home on the Range, Estados Unidos, 2004.
Direção e Roteiro: Will Finn e John Sanford.
Elenco: G.W. Bailey, Roseanne, Steve Buscemi, Judi Dench, Joe Flaherty, Cuba Gooding Jr., Estelle Harris, Randy Quaid, Jennifer Tilly, Sarah Jessica Parker, David Burnham,Charles Dennis, Janet Du Bois,Gregory Jbara.
Direção de Arte: David Cutler. Música: Alan Menken. Produção: Alice Dewey. Site Oficial: disney.go.com/disneyvideos/animatedfilms/homeontherange/main.html.

nas picapes: That'll Do, Peter Gabriel.

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

Filme pós-adolescente recupera o velho tema de poder mudar o passado



Efeito Borboleta está bem acima da média dos filmes com que se parece. Apesar de habitar o terreno muitas vezes pantanoso da imaginação fértil, faz isso com um certo tratamento nostálgico que evoca filmes como Conta Comigo (Rob Reiner, 86) e The Dangerous Lives of Altar Boys (Peter Care, 03), ao equilibrar humor e tragédia. Ashton Kutcher surpreendentemente não faz feio na pele do jovem cujos hiatos de memória da infância retornam como portais para o passado já na vida adulta. O tratamento dado à trama evita a potencialidade inerente de flerte com o ridículo e abre possibilidades muito curiosas. O filme, mesmo que sem centrar foco nisso, evoca a velha discussão do "o que aconteceria se...", que já foi até título de revista da Marvel Comics. A dupla de diretores nem sempre consegue não ser refém do labirinto que criou de idas e voltas no tempo, mas o resultado é bem mais que interessante.

EFEITO BORBOLETA
The Butterfly Effect, Estados Unidos, 2004.
Direção e Roteiro: Eric Bress e J. Mackye Gruber.
Elenco: Ashton Kutcher, Melora Walters, Amy Smart, Elden Henson, William Lee Scott, John Patrick Amedori, Irene Gorovaia, Kevin Schmidt, Jesse James, Logan Lerman, Sarah Widdows, Jake Kaese, Cameron Bright, Eric Stoltz, Callum Keith Rennie.
Fotografia: Matthew F. Leonetti. Montagem: Peter Amundson. Direção de Arte: Douglas Higgins. Música: Michael Suby. Figurinos: Carla Hetland. Produção: Chris Bender, A.J. Dix
e Anthony Rhulen. Site Oficial: www.butterflyeffectmovie.com.

nas picapes: Ontem Eu Sambei, Wado.

17 de ago. de 2004

FILMES EM EPISÓDIOS DE UM PARÁGRAFO

Coisas que eu tenho a dizer sobre alguns filmes antes que a memória falhe

Esse negócio de DVD é realmente um problema. A gente vê tantos filmes que nem encontra tempo para escrever sobre eles. Aqui vão alguns rápidos comentários sobre alguns dos últimos filmes vistos em casa:



Planeta Vermelho é uma bela surpresa. Baseado em idéias que parecem cientificamente bem palpáveis (mesmo que não sejam), abre mão de vários lugares comuns sobre Marte e lança o foco nos integrantes de uma missão tripulada ao planeta. Escorado num bom conflito entre os personagens, fica bem além da expectativa. Já Reino de Fogo, tão elogiado aos quatro ventos, não é tão bom quanto se pretende, mas não deixa de ser uma bela diversão. Seu maior mérito é mergulhar sem concessões na fantasia de um mundo com dragões, demonstração de coragem. Seu maior defeito é, muita vezes, parecer uma versão reloaded de Mad Max (George Miller, 79). O saldo é animador, mas a dupla de protagonistas poderia ser mais eficiente.

Johnny Depp tem toda uma aura em torno de si mesmo, mas é um ator visivelmente limitado a uma série de trejeitos recorrentes. Sua interpretação afetada em Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra não guarda tantas diferenças dos personagens que viveu em Ed Wood ou A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (ambos Tim Burton, 94 e 99). O filme em si é divertido, mas vira pó assim que os créditos sobem. E Orlando Bloom comprova que, sem uma direção boa, ele não funciona. Homens de Preto II, este sim, é bem engraçado. Apesar de reprisar piadas, Barry Sonnenfeld consegue bons momentos. A vilã de Lara Flynn Boyle parece saída daqueles filmes de ficção-científica trash dos anos 70. Uma delícia à parte.



E Zé do Caixão é filosofia pura. Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, o segundo filme do personagem, viaja sobre questões tão amplas quanto culpa e pureza. José Mojica Marins criou um personagem que vai muito além da imagem demoníaca: é um idealista, um sonhador, um visionário. O filme sofre, obviamente, da falta de profissionalismo da maioria dos atores e da rendição redentora cristã, mas suas qualidade superam e muito seus defeitos. Agora, assistir a Ringu deixa claro que seu refilmagem nos Estados Unidos, apesar de eficaz, é cópia simples e pura. Há cenas em que os planos parecem os mesmos do que os criados para o filme japonês. Este original não assusta mais nem menos que o remake, o que pode ser considerado um problema, mas não deixa de ser um bom filme.

É impressionante perceber que um filme feito há mais de vinte anos, como Scanners, de David Cronenberg, resiste ao tempo apesar das restrições técnicas que claramente teve. Hoje, com tecnologia e dinheiro a seu favor, o cineasta canadense poderia fazer misérias com a proposta que o filme lança. Misérias no bom e no mau sentido já que muito do charme da história dos telepatas e telecinéticos imaginados por Cronenberg reside nas imperfeições que o filme permite. Algumas até de roteiro, que, por vezes, parece escrito às pressas. Nada que macule a atmosfera de terror absoluto criada pelo diretor.



Por fim, Regras da Atração sofre do mal do cinema de edição rápida, base de sua narrativa para investigar retalhos das vidas dos jovens atuais. Roger Avary utiliza várias idéias roubadas de filmes como Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 94), que co-escreveu, e Trainspotting (Danny Boyle, 96), mostrar o caos de propósitos que é a cabeça de um universitário norte-americano. O filme é retórico, não se resolve e artificializa os personagens, que para o diretor e para o cara que escreveu o livro em que ele se baseou (sim, há um livro) estão fadados a um destino reservado para cada estereótipo.

PLANETA VERMELHO
Red Planet, Estados Unidos/Austrália, 2000.
Direção: Antony Hoffmann.
Roteiro: Chuck Pfarrer e Jonathan Lemkin, baseados na históroa de Pfarrer.
Elenco: Val Kilmer, Carrie-Anne Moss, Terence Stamp, Benjamin Bratt, Tom Sizemore, Simon Baker, Bob Neill (voz).
Fotografia: Peter Suschitzky. Montagem: Robert K. Lambert e Dallas Puett. Direção de Arte: Owen Patterson. Música: Graeme Revell. Figurinos: Kym Barrett. Produção: Bruce Berman, Mark Canton e Jorge Saralegui. Site Oficial: www.redplanetmovie.warnerbros.com.

REINO DE FOGO
Reign of Fire, Grã-Bretanha/Irlanda/Estados Unidos, 2002.
Direção: Rob Bowman.
Roteiro: Gregg Chabot, Kevin Peterka e Matt Greenberg.
Elenco: Christian Bale, Matthew McCounaghey, Izabella Scorupco, Gerard Butler, Scott James Moutter, David Kennedy, Alexander Siddig, Ned Dennehy, Rory Keenan, Terence Maynard, Doug Cockle e Alice Krige.
Fotografia: Adrian Biddle. Montagem: Declan McGrath e Thom Noble. Direção de Arte: Wolf Kroeger. Música: Ed Shearmur. Figurinos: Joan Bergin. Produção: Gary Barber, Roger Birnbaum, Lili Fini Zanuck e Richard D. Zanuck. Site Oficial: www.thefilmfactory.co.uk/reign.

PIRATAS DO CARIBE: A MALDIÇÃO DO PÉROLA NEGRA
Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl, Estados Unidos, 2003.
Direção: Gore Verbinski.
Roteiro: Ted Elliott e Terry Rossio, baseados na história escrita por eles e por Stuart Beattie e Jay Wolpert.
Elenco: Johnny Depp, Orlando Bloom, Keira Knightley, Geoffrey Rush, Jack Davenport, Jonathan Pryce, Lee Arenberg, Mackenzie Crook, Damian O'Hare, Giles New, Angus Barnett.
Fotografia: Dariusz Wolski. Montagem: Stephen Rivkin, Arthur Schmidt e Craig Wood. Direção de Arte: Brian Morris. Música: Klaus Badelt (e Hans Zimmer). Figurinos: Penny Rose. Produção: Jerry Bruckheimer. Site Oficial: www.disney.go.com/disneyvideos/liveaction/pirates/main_site/main.html.

HOMENS DE PRETO II
Men in Black II, Estados Unidos, 2002.
Direção: Barry Sonnenfeld.
Roteiro: Robert Gordon e Barry Fanaro, baseados nos personagens criados por Lowell Cunningham.
Elenco: Will Smith, Tommy Lee Jones, Lara Flynn Boyle, Rip Torn, Johnny Knoxville, Rosario Dawson, Tony Shalhoub, Patrick Warburton, Rick Baker, Martha Stewart.
Fotografia: Greg Gardiner. Montagem: Richard Pearson e Steven Weisberg. Direção de Arte: Bo Welch. Música: Danny Elfman. Figurinos: Mary E. Vogt. Produção: Laurie MacDonald e Walter F. Parkes. Site Oficial: www.sonypictures.com/homevideo/meninblackii.

ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER
Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, Brasil, 1967.
Direção: José Mojica Marins.
Roteiro: Aldenora De Sa Porto e José Mojica Marins.
Elenco: José Mojica Marins, Tina Wohlers, Nadia Freitas, Antonio Fracari, José Lobo, Esmeralda Ruchel, Paula Ramos, Tania Mendonça, Arlete Brazolin, Geraldo Bueno, José Carvalho, Oswaldo De Souza, Graveto, Lya Lagutte e Laércio Laurelli (voz).
Fotografia: Giorgio Attili. Montagem: Luiz Elias. Direção de Arte: José Vedovato. Música: Herminio Giménez. Produção: José Mojica Marins e Augusto Pereira.

RINGU
Ringu, Japão, 1998.
Direção: Hideo Nakata.
Roteiro: Hiroshi Takahashi, baseado no livro de Kôji Suzuki.
Elenco: Nanako Matsushima, Miki Nakatani, Hiroyuki Sanada, Yuko Takeuchi, Hitomi Sato, Yoichi Numata, Yutaka Matsushige.
Fotografia: Junichirô Hayashi. Direção de Arte: Iwao Saito. Música: Kenji Kawai. Produção: Takashige Ichise, Shinya Kawai e Takenori Sento.

SCANNERS
Scanners, Canadá, 1981.
Direção e Roteiro: David Cronenberg.
Elenco: Stephen Lack, Patrick McGoohan, Lawrence Dane, Robert A. Silverman, Michael Ironside, Jennifer O'Neill.
Fotografia: Mark Irwin. Montagem: Ronald Sanders. Direção de Arte: Carol Spier. Música: Howard Shore. Figurinos: Delphine White. Produção: Claude Héroux.

REGRAS DA ATRAÇÃO
The Rules of Attraction, Estados Unidos/Alemanha, 2003.
Direção e Roteiro: Roger Avary, baseado no livro de Bret Easton Ellis.
Elenco: James Van Der Beek, James Van Der Beek, Shannyn Sossamon, Kip Pardue, Jessica Biel, Ian Somerhalder, Clifton Collins Jr., Thomas Ian Nicholas, Kate Bosworth, Colin Bain, Swoosie Kurtz, Faye Dunaway, Fred Savage, Eric Stoltz e pontas de Katja Schuurman, Saskia Slaaf, Casper Van Dien, Paul Oakenfold.
Fotografia: Robert Brinkmann. Montagem: Sharon Rutter. Direção de Arte: Sharon Seymour. Música: tomandandy. Figurinos: Louise Frogley. Produção: Greg Shapiro. Site Oficial: www.rulesofattraction.co.uk.

nas picapes:
I Wanna Be Your Dog, The Stooges.
Lust for Life, Iggy Pop.

13 de ago. de 2004

O MONSTRO, O SAGRADO E O CINEMA

Num pacote só, Tim Burton homenageia Bela Lugosi e o "pior cineasta do mundo"



Bela Lugosi era um ator muito ruim; um poço de caricatura. Mas existia algo de mágico no húngaro expatriado. Algo de encantador e de horripilantemente macabro que fez sua interpretação em Drácula (e nas peças teatrais na qual o filme se baseou) deixar platéias em pânico e mulheres desmaiadas. Lugosi tinha punch. Sua mão estendida hipnotizava e provocava calafrios. Drácula, de Tod Browning, somente deu certo justamente por essa mistura entre a canastrice do ator e seu carisma incontestável. O filme sofre do mal dos diretores de talento mediano nos primeiros anos do cinema falado: a falta de habilidade com a palavra. Por isso, várias seqüências do longa não têm falas.

O talento de Browning não era exatamente farto. O culpado pela competência visual do filme era de outra pessoa: a história, que respeita a estrutura do romance de Bram Stoker, é valorizada pelo grande trabalho de câmera de Karl Freund, um dos maiores diretores de fotografia da época. Com movimentos de câmera, uso de trilhos e uma preocupação grande com o uso da luz, ele conseguiu dar a dimensão do pavor provocado pelo mundo de escuridão do personagem. Neste ambiente perfeito, Lugosi elaborou o personagem que fez por anos nos palcos da Broadway, o conde vampiro sedutor que o transformou em astro. Mas a decadência chegou aos poucos para o ator, que acabou a carreira fazendo filmes menores, como os de um jovem e empolgado cineasta.



Ao contrário de Lugosi, que conheceu os holofotes, triste foi a sina a de Edward D. Wood Jr. Ficou famoso porque era ruim, muito ruim, no que escolheu para fazer, no escolheu para ser. Seus filmes, com grande carga dramática embutida, transformavam-se em involuntárias comédias por causa dos absurdos que o cineasta permitia em seus roteiros e na sua forma de dirigir. Tudo reforçado pela absoluta falta de recursos. Wood, redescoberto depois de elegerem Plano 9 do Espaço Sideral como o pior filme da história, ganhou status cult porque passou a ser classificado com um cineasta de intenções, um homem apaixonado pelo seu trabalho, apesar de desprovido do talento para executá-lo.

Seu filme mais famoso é pior do que se possa imaginar. Além de ser um ineficaz resultado da simbiose entre filme de vampiros e ficção-científica, é costurado com retalhos de tudo o que Wood conseguia reunir: de restos de filmes a tomadas particulares de astros de outrora feitas para outros fins. O resultado supera os limites do tosco e consegue apenas provocar os efeitos contrários aos pretendidos pelo diretor. A redescoberta de suas obras rendeu fãs e a recuperação de boa parte de sua filmografia, da qual Plano 9 do Espaço Sideral é a obra máxima. Um filme absolutamente ruim.



A homenagem que Tim Burton fez à paixão de Wood deu muito mais certo que os filmes do homenageado. O diretor mais fantástico da Hollywood atual fez seu filme mais pé-no-chão. Ed Wood é um dos mais belos filmes feito sobre o cinema, apesar da particularmente caricata interpretação de Johnny Depp (o que não significa que seja uma má interpretação), Burton trata a história com tanto carinho que é impossível não se identificar com a tentativa ingênua do personagem principal em superar as próprias limitações e tentar completar um filme. Sua obstinação o fez completar vários, entre trabalhos feitos para televisão e investidas longas e curtas no cinema.

Mas a dedicação e a competência de todos os envolvidos no filme de Burton são eclipsadas pelo talento de Martin Landau. O ator consegue dar a densidade necessária à interpretação de Bela Lugosi de tal forma, que rouba todo o filme. Em momentos antológicos, Landau chega perto de arrancar lágrimas da platéia pelo tratamento impecável que dá ao personagem. Na cena em que se joga na água para fazer um polvo mecânico quebrado se mover ou quando vemos as marcas do vício em seu braço, Landau conquista por humanizar a figura de Lugosi sem recorrer a fórmulas fáceis que fizeram a fama de seu homenageado.

DRÁCULA
Dracula, Estados Unidos, 1931.
Direção: Tod Browning.
Roteiro: Garrett Fort, baseado na peça de John L. Balderston e Hamilton Deane, a partir do romance de Bram Stoker. Com diálogos adicionais de Louis Bromfield, Tod Browning Max Cohen, Dudley Murphy, e Louis Stevens.
Elenco: Bela Lugosi, Helen Chandler, David Manners, Dwight Frye, Edward Van Sloan, Herbert Bunston, Frances Dade, Joan Standing, Charles K. Gerrard, Tod Browning (voz), Michael Visaroff.
Fotografia: Karl Freund. Montagem: Milton Carruth. Direção de Arte: John Hoffman e Herman Rosse. Música: Philip Glass (composta para a restauração do filme em 1999). Figurinos: Ed Ware e Vera West. Produção: Tod Browning e Carl Laemmle Jr..

PLANO 9 DO ESPAÇO SIDERAL
Plan 9 from Outer Space, Estados Unidos, 1959.
Direção, Montagem, Produção e Roteiro: Edward D. Wood Jr.
Elenco: Gregory Walcott, Mona McKinnon, Duke Moore, Tom Keene, Carl Anthony, Paul Marco, Tor Johnson, Dudley Manlove, Joanna Lee, John Breckinridge, Lyle Talbot, Conrad Brooks, Vampira, Bela Lugosi, Criswell e Edward D. Wood Jr.
Fotografia: William C. Thompson. Música: Edward D. Wood Jr., Trevor Duncan, Van Phillips, Franz Mahl, Wolf Droyson. Figurinos: Dick Chaney. Efeitos Visuais: Tommy Kemp.

ED WOOD
Ed Wood, Estados Unidos, 1994.
Direção: Tim Burton.
Roteiro: Scott Alexandere Larry Karaszewski, baseados no livro Nightmare of Ecstasy, de Rudolph Grey.
Elenco: Johnny Depp, Martin Landau, Sarah Jessica Parker, Patricia Arquette, Bill Murray, Jeffrey Jones, Lisa Marie, G.D. Spradlin, Vincent D'Onofrio, Mike Starr, Max Casella, Brent Hinkley, George 'The Animal' Steele, Juliet Landau.
Fotografia: Stefan Czapsky. Montagem: Chris Lebenzon. Direção de Arte: Tom Duffield. Música: Howard Shore. Figurinos: Colleen Atwood. Produção: Tim Burton e Denise Di Novi.

nas picapes: Bela Lugosi is Dead, Bauhaus.

O MODERNINHO E O ENGAJADO

Ou: quando dois bons cineastas pisam na bola



Era uma vez dois diretores de cinema. Um era norte-americano; o outro, inglês. Um ganhou Cannes com seu primeiro filme e anos depois levou o Oscar; o outro foi da Escócia proletária à Inglaterra vitoriana atuais para contar grandes histórias. Mas chegou o dia em que o prestígio do passado não foi suficiente para bancar suas apostas mais particulares: em 2002, Steven Soderbergh dirigiu Full Frontal, coletânea de pequenas histórias de pessoas que se cruzam nos Estados Unidos. Em 2003, Stephen Frears lançou Coisas Belas e Sujas, coletânea de pequenas histórias de pessoas que se cruzam numa Londres periférica. Soderbergh fez um filme pequeno, mais um exercício de linguagem com a ajuda de astros amigos. Frears fez um filme de denúncia, relatando as mazelas dos imigrantes numa cidade estranha.



O filme de Soderbergh é pura elocubração intectualóide. Pessoas muitos inteligentes, levemente (ou não) neurotizadas pelo dia-a-dia do mundo atual, promovem encontros estranhos onde há muita verborragia e pouca criação. Julia Roberts e Brad Pitt são o chamativo para uma história independente, quase um tratado do diretor para mostrar que não é escravo em tempo integral do stablishment. Soderbergh só esqueceu de deixar seu longa menos exaustivo. As brincadeirinhas narrativas funcionam até a segunda página. Não evoluem e nem significam muita coisa. Sofrem de um mal estar terrivelmente em moda nos dias de hoje, o do nada a dizer. O diretor até tenta impor esta condição a alguns personagens, mas há muito cálculo para algo que parece mais ser um brinquedo.

O filme de Frears não vai muito além. Apesar de um esforçado protagonista, o longa soa sindicalista depois da primeira meia hora, quando se descobre que a intenção do diretor é mostrar a situação dos estrangeiros na Londres atual. Todos os personagens são imigrantes: há turcos, africanos, coreanos, libaneses, russos. Faltou um brasileiro para melhorar o caldo. Até os policiais da imigração são não-ingleses. Todos sofrem com o tratamento dispensado pelas autoridades locais e com sua invisibilidade perante a população. Frears covardemente esconde suas denúncias como drama romântico e filme policial, parece não querer deixar que o espectador perceba sua tática. Mas a capacidade inventiva do roteirista atinge níveis tão estratosféricos que é impossível não perceber aquele negócio... como é que chama mesmo? Ah, a tal da "ferida aberta"...

FULL FRONTAL
Full Frontal, Estados Unidos, 2002.
Direção: Steven Soderbergh.
Roteiro: Coleman Hough.
Elenco: Julia Roberts, Blair Underwood, David Duchovny, Nicky Katt, Catherine Keener,
Brian Krow, Mary McCormack, David Hyde Pierce,
Enrico Colantoni, Erika Alexander, Tracy Vilar, David Fincher, Jerry Weintraub, Cynthia Gibb, Coleman Hough, Terence Stamp, Brad Pitt, Camille Wainwright, Shirley Jones, Steven Soderbergh.
Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Edição: Sarah Flack. Música: Jacques Davidovici. Produção: Gregory Jacobs e Scott Kramer. Site Oficial: video.movies.go.com/products/2865003.html.

COISAS BELAS E SUJAS
Dirty Pretty Things, Grã-Bretanha, 2003.
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Steven Knight.
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Audrey Tatou, Sergi López, Sophie Okonedo, Benedict Wong,
Zlatko Buric, Jeffery Kissoon, Kenan Hudaverdi,
Damon Younger, Paul Bhattacharjee, Darrell D'Silva,
Sotigui Kouyaté, Norma Dumezweni, Adrian Scarborough.
Fotografia: Chris Menges. Edição: Mick Audsley. Direção de Arte: Hugo Luczyc-Wyhowski. Figurinos: Odile Dicks-Mireaux. Música: Nathan Larson (e música adicional de Christian Henson). Canção: David Byrne ("Glass, Concrete and Stone"). Produção: Robert Jones e Tracey Seaward. Site Oficial: www.go-underground.com.

nas picapes: Iko Iko, Cyndi Lauper.

10 de ago. de 2004

UM FILME DE FAMÍLIA

Duas atrizes transformam texto retórico num encontro sem concessões



Ingmar Bergman sempre foi um cineasta da palavra. A força motora de seus filmes está na combinação texto + a interpretação desse texto. Sonata de Outono pode ser considerado, então, uma obra clássica do cinema do diretor sueco. É um filme estruturado no diálogo de duas mulheres, mãe e filha, que se encontram depois de uma ausência de sete anos: um encontro que reabre as crateras da relação entre as duas. Apesar da fotografia do colaborador fiel, Sven Nykvist, não perder a competência habitual, não existe privilégio para a imagem que, depois de dividir o papel de protagonista com o roteiro em filmes anteriores da dupla, aqui é apenas coadjuvante, embalagem, sem valor sígnico.

Com o texto sob os holofotes, Bergman se muniu de duas grandes atrizes: a então companheira Liv Ullmann e uma lenda, Ingrid Bergman, que, apesar de conterrânea, não guarda parentesco com o cineasta. O texto acha então o tom certo, frio e cruel, na excelência das intérpretes. A evolução do filme, em virtude da competência da dupla, é gritante: começa como exercício retórico e se transforma enfim numa obra de referência, onde a palavra de Bergman se despe de um cunho estritamente intelectual-psicológico para virar um belo e difícil acerto de contas entre mãe e filha.

SONATA DE OUTONO
Höstsonaten, França/Alemanha Ocidental/Suécia, 1978.
Direção e Roteiro: Ingmar Bergman.
Elenco: Liv Ullmann, Ingrid Bergman, Lena Nyman, Halvar Björk, Marianne Aminoff, Arne Bang-Hansen, Gunnar Björnstrand, Erland Josephson, Georg Løkkeberg, Mimi Pollak, Linn Ullmann.
Fotografia: Sven Nykvist. Edição: Sylvia Ingmarsdotter. Direção de Arte: Anna Asp. Figurinos: Inger Pehrsson. Música: peças de Johann Sebastian Bach, Frédéric Chopin, Georg Friedrich Händel e Robert Schumann. Produção: Katinka Faragó, Lew Grade e Martin Starger.

nas picapes: Blue Valentine, Tom Waits.

7 de ago. de 2004

UMA BREVE HISTÓRIA DO CLONE (E DA FALTA DE CRIATIVIDADE)

Filme copia idéias de clássico da ficção-científica e repete fórmulas que o original negava



Eu, Robô, o filme de Alex Proyas, é "sugerido por" Eu, Robô, o livro de Isaac Asimov. Isto está escrito nos créditos finais do longa-metragem. "Sugerido por?" deve ser algo mais leve que "baseado em", algo como "inspirado por", já que a ligação entre as duas obras é apenas a maneira oportunista, extremamente comum no cinema atual, na qual uma produção se apropria de elementos de trabalhos anteriores. A prática é vil: usar idéias de outros como se fossem suas para suprir falta de potencial criativo.

Nos contos de seu livro, Asimov mostra histórias de robôs que entram em conflito ao tentar cumprir as determinações das "três leis da robótica" ? que guiam as formas de vida cibernéticas ? sem ferir um dos tópicos. Os conflitos são interiores. No filme de Proyas, a máquina se volta contra o homem no eterno retorno do embate criatura-criador. Os conflitos são a base que sustenta a trama de explosões e porrada. Eu, Robô, o filme, não é Eu, Robô, o livro. Então, por que deixar que o desavisado espectador acredite que sim? Tática comercial, aposta na marca consagrada? Provavelmente.

Caso oferecesse um resultado final bom, o filme até poderia passar por um episódio não escrito por Asimov, mas, ao contrário, o longa-metragem parece negar a cada cena as idéias que "o sugeriram". O(s) robô(s) é(são) o Frankenstein tecnológico dos próximos anos; não há o mínimo respeito pelo original. O resultado é uma confusa concepção do personagem de Will Smith, que é racista, tem comportamento psicótico e ideais próximos ao nazismo para depois seguir o caminho do policial de bons princípios.

O roteiro, esperto como poucos, creditado ao irregular Akiva Goldsman, ainda abre espaço para que o ator destile as piadas mais imbecis dos últimos tempos. Will Smith parece tão boçal e sem graça que apenas ganha credibilidade quando sua parceira está em cena. Bridget Moynahan é tão ruim que não há possível comparação com qualquer interpretação feminina neste ano. Mas como diz a lenda que toda porcaria tem seu lado bom, a concepção visual (sobretudo a direção de arte) é muito boa. E os efeitos visuais ajudam a esconder os defeitos morais do filme. Não é à toa que a melhor interpretação do filme seja a de Sonny, o robô que provoca toda a história.

EU, ROBÔ
I, Robot, EUA, 2004.
Direção: Alex Proyas.
Roteiro: Jeff Vintar e Akiva Goldsman, sugeridos pelo livro de Isaac Asimov.

Elenco: Will Smith, Bridget Moynahan, Alan Tudyk, James Cromwell, Bruce Greenwood, Adrian Ricard, Chi McBride, Jerry Wasserman, Fiona Hogan.
Fotografia: Simon Duggan. Montagem: Shawn Broes, William Hoy, Richard Learoyd e Armen Minasian. Direção de Arte: Patrick Tatopoulos. Música: Marco Beltrami. Figurinos: Elizabeth Keogh Palmer. Produção: John Davis, Topher Dow, Wyck Godfrey e Laurence Mark. Site Oficial: www.irobotmovie.com.

nas picapes: This is Your Life, The Dust Brothers.

CORAÇÃO SATÂNICO

Demônio vermelho confirma a boa fase dos filmes baseados em HQs



Desde que Blade (Stephen Norrington, 98) reinaugurou as bem-sucedidas adaptações para o cinema dos heróis de quadrinhos, os olhos dos produtores se voltaram com gula para os grandes heróis: vieram os X-Men, o Homem-Aranha, o Hulk e, em breve, ressurge o Batman. As estrelas das HQs cobraram os holofotes, deixando personagens menos conhecidos no escuro. Guillermo Del Toro, o mexicano que já havia comandado a segunda aventura de Blade no cinema, resolveu atacar na área dos quadrinhos independentes. Foi aí que um certo demônio vermelho sessentão apareceu.

Nas mãos de Del Toro, a transcrição de Hellboy, personagem criado por Mike Mignola, para o cinema se transformou numa obra impressionante, que guarda suas origens à medida que tem o mérito de não se prender a elas quando muda de linguagem. Mais que qualquer coisa, Hellboy é um filme bonito. Uma história de confinamento e solidão. E, sem mergulhar nos lugares comuns do tema, uma obra sobre diferenças e afinidades. O diretor recria os personagens com cuidado e muita atenção na concepção de cada um: do doutor Abraham Sapien ao agente Myers.

A destreza visual é um grande ponto a favor, mas o dono do filme é mesmo Hellboy. O demônio, que chegou a Terra numa operação nazista para servir de portal para a vinda de seres malignos e se transformou num detetive a serviço do governo norte-americano contra ameaças paranormais, é um achado. Um misto de justiceiro solitário - violento e cruel - e herói capaz de pequenas delicadezas, o personagem ganhou um intérprete improvavelmente perfeito: Ron Perlman já está na minha lista de melhores atores do ano.

HELLBOY
Hellboy, EUA, 2004.
Direção e Roteiro: Guillermo del Toro, baseado na história escrita com Peter Briggs a partir dos personagens criados por Mike Mignola.
Elenco: Ron Perlman, Selma Blair, John Hurt, Rupert Evans, Karel Roden, Jeffrey Tambor, Doug Jones, Brian Steele, Ladislav Beran, Bridget Hodson, Corey Johnson, Mike Mignola e David Hyde Pierce (voz).
Fotografia: Guillermo Navarro. Montagem: Peter Amundson. Direção de Arte: Stephen Scott. Música: Marco Beltrami. Figurinos: Wendy Partridge. Produção: Lawrence Gordon, Lloyd Levin e Mike Richardson. Site Oficial: www.hellboymovie.com.

nas picapes: Dry the Rain, The Beta Band.

6 de ago. de 2004

FILMES DE ATRIZ

UMA PREMIADA PROFISSÃO DE RISCO

Estereótipos à parte, a indústria adora atrizes que se transformam em prostitutas



Além de linda, Charlize Theron deve ser uma mulher de coragem. Antes dela, muitos atores já haviam se sujeitado a desfigurar o corpo, com maquiagem ou não, para encarar um papel promissor, mas em poucas vezes esse personagem era o de uma prostituta psicótica responsável por uma série de assassinatos. A escolha de Charlize pode até ter sido influenciada pelo histórico de prêmios para atores deformados em seus papéis.Roberto De Niro, Touro Indomável, Oscar de melhor ator em 1980, é o exemplo mais óbvio. Mas se De Niro tinha Martin Scorsese para guiar sua interpretação, Charlize Theron contou com a desconhecida Patty Jenkins. Tiro no escuro.

Em fevereiro deste ano, a coragem da atriz ganhou seu último prêmio: o Oscar, saga que começou com láureas em festivais importantes. Muito barulho por pouco. Charlize Theron nem está tão bem. Sua interpretação até injeta alguma dignidade a uma personagem mal desenhada, de motivações confusas e essencialmente construída na base dos clichês. Na falta de uma orientação melhor, a loira recorre instintivamente ao subterfúgio dos lugares-comuns para compor a protagonista de Monster. A maquiagem, esta sim merecedora de aplausos, parece ser a única justificativa para o prêmio. A atriz é outra pessoa sob todos os prismas.

Patty Jenkins, que também assina o roteiro, fez um típico filme urbano dos anos 70. A despeito da época em que se passa a história, Monster guarda poucas qualidades (a ambientação) e muitos defeitos do cinema independente desta década (personagens mal acabados, edição corrompida). A principal coadjuvante, Christina Ricci, sofre com a indefinição de seu papel: sem qualquer transição, passa de ingênua a oportunista. O maior defeito de Jenkins é apostar todas as fichas na força da "interpretação" da maquiagem de Charlize e esquecer de dirigir o filme.



Mais de trinta anos antes de Charlize Theron ganhar seu Oscar, outra atriz que encarnava uma prostituta levou o prêmio para casa: diferentemente da loira, Jane Fonda já tinha currículo e nome. Mais diferentemente ainda, ela tinha um roteiro bem escrito e uma direção competente por trás de seu trabalho. Klute - O Passado Condena, a história do encontro entre um detetive e uma prostituta perseguida por um psicopata, é mais um filme elegante de Alan J. Pakula. O texto explora os pequenos espaços e personagens de uma grande cidade.

Aqui, Jane Fonda, que além de poder preservar sua beleza ainda ganhou o reforço da excelente fotografia de Gordon Willis, está realmente bem no papel. Sua personagem é simples, mas o roteiro não deixa que ela se renda aos chavões. Klute é um filme de suspense, construído como drama, onde o que mais interessa é como se dá a aproximação entre os dois protagonistas que a descoberta de um criminoso. Com um foco assim (e com a própria natureza do papel), Jane Fonda ganha ainda mais projeção que Donald Sutherland, que também está muito bem no filme. Talvez não se façam mais putas como antigamente. Pelo menos no cinema.

KLUTE - O PASSADO CONDENA
Klute, EUA, 1971.
Direção e Produção: Alan J. Pakula.
Roteiro: Andy Lewis e Dave Lewis.
Elenco: Donald Sutherland, Jane Fonda.
Fotografia: Gordon Willis. Montagem: Carl Lerner. Direção de Arte: George Jenkins. Música: Michael Small. Figurinos: Ann Roth.

MONSTER
Monster, EUA/Alemanha, 2003.
Direção e Roteiro: Patty Jenkis.
Elenco: Charlize Theron, Christina Ricci, Bruce Dern, Lee Tergesen, Annie Corley, Pruitt Taylor Vince, Marco St. John, Marc Macaulay, Scott Wilson, Rus Blackwell.
Fotografia: Steven Bernstein. Montagem: Arthur Coburn e Jane Kurson. Direção de Arte: Edward T. McAvoy. Música: BT. Figurinos: Rhona Meyers. Produção: Mark Damon, Donald Kushner, Brad Wyman, Clark Peterson e Charlize Theron. Site Oficial: www.monsterfilm.com.

nas picapes: Stephanie Says, Velvet Underground.

2 de ago. de 2004

FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO

A HORA DA VERDADE CONTINUA

Michael Moore gentilmente nos diz quem está certo e quem está errado nesse mundo-de-meu-deus



Nos últimos anos, ganha cada vez mais espaço pelo mundo afora um tipo de jornalismo - em especial, televisivo - vingador, onde o jornalista (que nem sempre tem diploma) assume o papel de advogado de defesa da população, sobretudo em questões polêmicas envolvendo autoridades. Essas manifestações costumam ter bastante apelo popular já que o espectador se vê representado na figura do apresentador. É ele quem relata, quem delata, quem cobra e quem, eventualmente, aponta as soluções. Geralmente, obedece um padrão: fala alto, fala grosso, é bruto e tenta parecer sério para inspirar confiança. Um vingador para acalmar ânimos e provocar identificação.

O tiro tem alvo certo e nem requer tanta pontaria. Políticos, grandes empresários e pessoas poderosas já são vistos com algumas reservas. Recentemente, o estilo garantiu a mais recente metamorfose do cinema mais próximo do jornalismo, o documentário. Nesta área, a estrela é o talentoso Michael Moore. Em Tiros em Columbine (2002), Moore reúne dados, coleta depoimentos e repassa a história para dar sua interpretação sobre o episódio em que dois estudantes armados promoveram um massacre numa escola norte-americana.

Dois momentos do filme são emblemáticos: um deles é a entrevista com o ator Charlton Heston (presidente da Associação Americana do Rifle) e defensor do direito do cidadão comum andar armado, em que Heston não tem direito de responder as acusações feitas pelo cineasta. O segunda cena é quando Moore leva dois garotos, que ficaram aleijados no massacre de Columbine, até a sede do Wal-Mart e consegue que o local se comprometa a deixar de vender munição. É quando o cineasta assume o papel de justiceiro. É ele quem relata, quem delata, quem cobra e quem, eventualmente, aponta as soluções.

Moore ganhou o Oscar de melhor documentário por seu filme. Seu discurso, em plena Guerra do Iraque, se transformou no momento mais comentado da cerimônia ao mandar o presidente George W. Bush ter vergonha pela então recente invasão ao país islâmico. Os holofotes se tornaram ainda mais carinhosos com o documentarista. E, pouco mais de um ano depois, com um alvo ainda mais certeiro escolhido, o novo filme de Michael Moore ganhou o prêmio principal do mais importante festival de cinema do mundo: a Palma de Ouro em Cannes. Ego suficientemente inflado, Moore ainda viu seu filme ser renegado pela Disney, que deveria distribui-lo, o que garantiu muito mais propaganda do que estava previsto.

Mesmo antes de seu novo filme ser exibido em qualquer lugar do planeta, Michael Moore já declarava que Fahrenheit 11 de Setembro tinha um objetivo: destituir o presidente dos Estados Unidos, evitar sua reeleição. E como todo vingador que se preze, ele não mente (ou pelo menos não se deixa descobrir). Na cena em que o documentarista mostra a si mesmo, numa primária do Partido Democrata, acusando Bush de desertor da Guarda Nacional Norte-Americana, as intenções políticas de seu filme ficam (ainda mais) explícitas.

É inegável, principalmente para quem olha de fora dos Estados Unidos, que o longa-metragem traz momentos bem prazerosos, principalmente quando ridiculariza George W. Bush, persona non grata para a maioria das pessoas de bom senso. O problema é que Michael Moore, muito bem munido de documentos e informações reveladoras, faça festa com o que tem nas mãos. O tom de escárnio e a postura de senhor da verdade descredenciam o filme, que é parcial, partidário e completamente especulativo. Moore consegue até dar um mostra de xenofobia ao questionar o jantar do presidente com o embaixador da Arábia Saudita porque ele era... saudita.

Como em sua obra anterior, nosso herói resolve assumir sua porção justiceira e vai à porta do Congresso dos Estados Unidos pedir que os parlamentares se alistem para o combate no Golfo. Acompanha o ensaiado recrutamento de civis para a guerra. Expõe e explora a mãe que teve o filho morto no Iraque. Tudo em nome do alto senso de justiça que guarda em seu rechonchudo peito. Em todas suas inserções, obedece a um padrão: fala alto (a menos que a polícia possa prendê-lo), é bruto e tenta parecer sério para inspirar confiança.

Seria o cinema de Michael Moore uma nova forma de documentário ou apenas duas horas de propaganda eleitoral paga pelos contribuintes e até pelos desavisados "terceiro-mundistas" que nem podem votar ou não em George W. Bush? O cinema de Michael Moore parece bem esquálido se for analisado com o mínimo de imparcialidade. Suas intenções podem se revelar bem mais mesquinhas e maniqueístas que seu mal editado (enorme demérito em relação ao bem acabado filme anterior) trabalho possa transparecer embaixo das muitas camadas de maquiagem de engajamento político e social que o diretor se preocupou em desenvolver. Aliás, o que Michael Moore faz é realmente um documentário ou apenas guarda um tom documental? Aliás, o que o mestre da autopromoção faz é cinema? Jornalismo eu sei que não é. Aliás, esse caráter vingador...

Fahrenheit 11 de Setembro é comumente aplaudido ao final da projeção por platéias entusiasmadas. Muito justificável já que ele desperta o lado universitário dos espectadores. Mal necessário? Perdão, mas mal necessário é Sartre, é Bergman.

FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO
Fahrenheit 9/11, Estados Unidos, 2004.
Direção e Roteiro: Michael Moore.
Fotografia: Mike Desjarlais, com imagens adicionais de Kirsten Johnson e William Rexer. Montagem: Kurt Engfehr, T. Woody Richman e Chris Seward.. Direção de Arte: Dina Varano. Música: Jeff Gibbs e Bob Golden. Produção: Jim Czarnecki, Kathleen Glynn e Michael Moore.

nas picapes: Rainy Days and Mondays, Carpenters.


 
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