[f i l m e s d o c h i c o]

25 de ago. de 2003

A ÚLTIMA NOITE



Era uma vez um país chamado... era uma vez um país sem nome. Os que criaram este país resolveram fazer todo mundo acreditar que o nome deste país era o nome do continente onde ele ficava. Eles foram convincentes. Tanto os que moravam neste país quanto os que estavam fora acreditaram nisso e passaram a chamar o país pelo nome que era de muitos outros. O povo deste país se acostumou a acreditar também que o país em que eles viviam era o melhor país do mundo, que existia uma espécie de energia inerente àquela terra, àquele povo, que era diferente e muito maior que as que existiriam além de seus limites territoriais. Eles cresceram e se reproduziram como fazem todos os povos e criaram uma aura de superioridade que poucos conseguiram e que muitos rebatem. E, como todas as auras são apenas auras, um dia um homem resolve mostrar para as pessoas daquele país invencível que um avião, ou três ou quatro, podem destruir um sonho.

Spike Lee nasceu nos Estados Unidos da América. E provavelmente tem orgulho disso. Como François Truffaut deveria ter orgulho da França, Takeshi Kitano deve ter orgulho do Japão e você deve ter orgulho do Brasil. Não é errado ter orgulho do país em que se nasceu. Mas é preciso ter uma coisa chamada parcimônia. Spike Lee nunca colocou sua origem espacial como questão central dos filmes que faz, mas sim sua raça, sua cor. Seus filmes, sempre muito bem elaborados e conscientizados, ganharam o mundo levantando a voz contra o racismo e a diferença de uma maneira geral. O tom, não raro, panfletário de seu discurso algumas vezes prejudicava sua mensagem, mas Lee assinou seu nome na lista dos grandes cineastas dos útimos anos. Mas de um tempo para cá, viu que poderia discutir temas com abragência muito maior. Temas muito mais universais.

No dia 11 de setembro de 2001, Spike Lee provavelmente ficou abalado. Não é fácil nem agradável ver dois aviões cheios de gente inocentes matando outros milhares de pessoas inocentes por qualquer causa que seja. Quem concorda com o assassinato porque qualquer motivo não merece respeito. Pelo menos o meu. Mas neste dia, Spike Lee e muitos outros norte-americanos - e muitos outros nova-iorquinos, sobretudo - começaram a questionar o país em que moram, o país em que cresceram e, mesmo discordando de tudo, o país que se acostumaram a ver como o maior país do mundo, o país da liberdade, o país do sonho. Martin Scorsese usou a desculpa de contar a história de Nova Iorque para dizer, pela boca do maior ator do mundo, que este mesmo mundo tem medo do país em que ele vive, em que ele mora, em que ele nasceu. Todd Haynes usou todas as cores bonitas do mundo para mostrar que o excesso de cor muitas vezes engana e esconde tons sombrios de um povo que se acostumou a uma concepção idealizada do que realmente é. Então, chegou a vez de Spike Lee.

Em 2002, Spike Lee foi o primeiro, ou um dos primeiros, a falar no cinema que as Torres Gêmeas caíram. Enquanto a poeira dos escombros de uma nação era recolhida para baixo de muitos tapetes, o cineasta resolveu fazer os espectadores de seu filme, que nunca são muitos, pensarem em como é absolutamente fake a idéia da reconstrução. Para isso, Spike Lee usou um artíficio antigo, mas, se usado com propriedade, muito eficiente, o da metáfora. Ele tomou para si um livro - e mais especificamente um personagem - para contar uma outra história americana. Edward Norton é os Estados Unidos. É a América. Uma tragédia acontece na sua vida e ela está prestes a escorrer pelo ralo. Na verdade, não há mais solução. Edward Norton se fodeu. A vida de mentira que ele construiu sobre bases inseguras, sobre colunas bambas, ruiu e ele se espatifou no chão. E percebeu como tudo estava tão errado e como era tão destruidor que o destino dele seria aquele mesmo. Como estava predestinado àquilo.

A Última Noite é um filme sobre reunir cacos. Sobre tentar se reerguer sem um terreno firme, sem material suficiente para apagar tudo e começar de novo. Sobre descarregar sua raiva no que se vê pela frente por querer ignorar que a culpa é sua. É sobre apontar a arma para todas as direções e nunca para você mesmo. Porque é errado se matar. Alguém já disse isso e muitos já fizeram. É errado se matar mesmo que você seja uma nação. Mesmo que você seja um povo inteiro. É muito melhor e muito mais fácil matar outras pessoas, outro que não seja você. E é muito mais fácil ainda brincar que nada existiu, arrumar uma nova vida, idealizar um novo começo, uma saída, uma solução. Imaginar que tudo pode ser diferente, que você pode olhar no espelho e enxergar uma barba bem feita em vez de um rosto destruído por socos, murros e pontapés. Spike Lee mostra isso e se retira para você chegar às suas próprias conclusões.

A Última Noite
25th Hour, EUA, 2002
Direção: Spike Lee.
Elenco: Edward Norton, Philip Seymour Hoffman, Barry Pepper, Rosario Dawson, Anna Paquin, Brian Cox, Tony Siragusa, Levani Outchaneichvili, Tony Devon, Misha Kuznetsov, Isiah Whitlock Jr., Michael Genet, Patrice O'Neal, Al Palagonia,
Aaron Stanford, Coati Mundi, DJ Cipha Sounds.
Roteiro: David Benioff, baseado em sua novela 25th Hour. Produção: Julia Chasman, Jon Kilik, Spike Lee e Tobey Maguire. Fotografia: Rodrigo Prieto. Edição: Barry Alexander Brown. Direção de Arte: James Chinlund. Música: Terence Blanchard. Figurinos: Sandra Hernandez. Canções: Bruce Springsteen ("The Fuse").

22 de ago. de 2003

LARA CROFT - TOM RAIDER: A ORIGEM DA VIDA



O jogo Tomb Raider foi, certa forma, revolucionário no mundo dos games, um universo quase exclusivamente masculino. Milhares, talvez milhões de adolescentes em todas as partes do mundo, para viver uma série de grandes aventuras em busca de tesouros perdidos, jogavam - e ainda jogam - como se fossem uma mulher. Lara Croft, vitaminada, curvilínea e imbatível, é mais que o símbolo sexual de uma geração. Ela é a identidade aventureira de grande parte do público dos games desde os anos 90 até hoje.

Na sua encarnação para o cinema, Lara ganhou os lábios carnudos de Angelina Jolie, que virou estrela por causa do longa. Mas se as formas escolhidas para a arqueóloga mais famosa do mundo da imaginação foram perfeitas, a história deixou a desejar. O primeiro Lara Croft não tem ritmo e parece ter cenários feitos de plástico e isopor. Sua segunda aventura cinematográfica melhora as coisas, mas não muito. Angelina Jolie parece ainda mais à vontade no papel e o diretor Jan De Bont parece recuperar seu fôlego perdido em desastres como Velocidade Máxima 2 (97) e A Casa dos Amaldiçoados (00). A edição e a câmera deste segundo filme, o lado forte da filmografia de De Bont, garantem momentos legais de adrenalina.

Um caso que parece sem solulção é o dos vilões. Todos os atores que fazem vilões em filmes de games parecem acreditar bastante no potencial das caretas. Haja paciência para encarar tamanho descaso com quem assiste. A história parece mais bem amarrada, mas ainda falta o espírito do jogo. Os games ainda precisam encontrar seu caminho no cinema. E isso passa diretamente por encarar o público de um filme baseado no jogo de videogame como exigente. Se deu certo com os quadrinhos, vide X-Men 2 (03), pode funcionar com Lara Croft e seus companheiros.

Lara Croft - Tom Raider: A Origem da Vida
Lara Croft - Tomb Raider: The Cradle of Life, EUA, 2003
Direção: Jan de Bont
Elenco: Angelina Jolie, Gerard Butler, Ciarán Hinds, Christopher Barrie, Noah Taylor, Djimon Hounsou, Til Schweiger, Simon Yam, Terence Yin, Daniel Caltagirone, Fabiano Martell, Jonathan Coyne, Robert Cavanah, Ronan Vibert, Lenny Juma, Raymond Ofula.
Roteiro: Steven E. de Souza e Dean Georgaris, com base na história de Steven E. de Souza de James V. Hart. Produção: Lawrence Gordon e Lloyd Levin. Fotografia: David Tattersall. Edição: Michael Kahn. Direção de Arte: Kirk M. Petruccelli. Figurinos: Lindy Hemming. Canções: Korn.

13 de ago. de 2003

DOLLS



Acostumar-se a uma narrativa diferente leva tempo, ainda mais para o homem ocidental. Na década passada, o cinema do lado esquerdo do planeta beirou o esgotamento e o mundo foi buscar refúgio em cinematografias menos conhecidas e disseminadas para ganhar novo vigor. Surgiram Zhang Yimou, Chen Kaige, Wong-Kar Wai, Tsai Ming Liang, Ang Lee, John Woo, Tran Anh Hung e Takeshi Kitano, entre outros. O japonês Takeshi Kitano já existe para o cinema há um bom tempo. Furyo (83), onde contracena com David Bowie e Ryuchi Sakamoto já completou duas décadas. Mas foi apenas no final dos anos 90 que Kitano se fez mostrar com a devida importância, desta vez com cineasta. Primeiro, reformulou a violência com Hana-Bi - Fogos de Artifício (97), depois recuperou a infância no bonitinho Verão Feliz (99). No ano passado, fez sua obra-prima, Dolls.

Dolls toma pra si três histórias clássicas do clássico teatro de bonecos japonês. Três histórias de amor. Amor que não se consuma. Na primeira, uma mulher abandonada pelo homem que ama renuncia à vida sem morrer. Eles estarão acorrentados para sempre. Na segunda, um homem é capaz de se mutilar para ficar mais perto de sua musa. Na últim história, uma senhora vai todos os dias para o mesmo banco de praça levar a marmita para o namorado que há décadas deixou de aparecer.

Kitano revela uma habilidade para a delicadeza raramente vista no cinema. É um mestre dissertando sobre o poder do amor e da doação sem soar óbvio ou clichê. Fala sobre o quanto podemos fazer para ficarmos perto de quem amamos. Nas três histórias, que se cruzam várias vezes, há de comum a renúncia completa para ter - ou por não ter - o objeto amado. Kitano fala pouco e diz muito. Fala pelos quadros que compõe, pelas cores que oferece ao espectador e ao amor. A fotografia de Dolls é destruidora. Um filme que se conta pela imagem. O diretor não tem pressa para explicar que a ausência do amor pode fazer a vida se justificar pela mais mínima das razões: seja um banquinho de praça sem um brinquedinho de criança. São três histórias de solidão e de beleza absoluta. Beleza numa folha caindo no chão ou numa bolinha rosa esmagada por um pneu. De que adianta a vida se vc não pode soprar?

Dolls
Dolls, Japão, 2002
Direção, Roteiro e Edição: Takeshi Kitano.
Elenco: Miho Kanno, Hidetoshi Nishijima, Tatsuya Mihashi, Chieko Matsubara, Kyôko Fukada, Tsutomu Takeshige, Nao Omori, Hawking Aoyama, Ren Osugi, Kayoko Kishimoto.
Produção: Masayuki Mori e Takio Yoshida. Fotografia: Katsumi Yanagishima. Direção de Arte: Norihiro Isoda. Música: Jô Hisaishi. Figurinos: Yohji Yamamoto.

12 de ago. de 2003

NARRADORES DE JAVÉ



O que poderia ser estigma é o maior trunfo de Narradores de Javé. Há muito tempo foi estabelecido na nossa cultura, a brasileira, que o nordestino é um ser engraçado. Que fala engraçado, age engraçado, que é engraçado. Um estereótipo que beira o preconceito. Eliane Caffé se apóia nesta idéia para conduzir seu novo filme, mas tem a sorte de homenagear a simplicidade do sertanejo em vez de condená-lo ao julgamento de sua condição de pobre e de semi-analfabeto. O filme narra a tentativa dos moradores de uma cidadezinha de salvar suas vidas, ameaçadas de serem afogadas por uma barragem. Para tanto, eles contratam o mentiroso-mor do lugar, Antônio Biá, o protótipo do nordestino espertinho, que tem a missão de registrar no papel a rica história da cidade, que passa de boca em boca. O problema é que a história muda radicalmente de um para outro morador. Eliane Caffé revela uma habilidade curiosa ao mesclar humor e delicadeza neste longa, além de uma competência técnica invejável (a fotografia é linda, a edição, riquíssima e inteligente, e a direção de arte no tom certo, sem exageros). O elenco é a maior atração. De José Dumont, mais uma vez perfeito ao povo das cidadezinhas visitadas pela equipe, coajuvantes divertidos. A diretora faz um filme engraçado e doce, equilibrado, muita coisa no cinema brasileiro, acostumado a narrar grandes sagas e morrer no discurso que não tem nada a dizer.

Narradores de Javé
Narradores de Javé, Brasil, 2003
Direção: Eliane Caffé.
Elenco: José Dumont, Matheus Nachtergaele, Nélson Dantas, Rui Resende, Gero Camilo, Luci Pereira, Nelson Xavier.
Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé. Edição: Daniel Rezende.Fotografia: Hugo Kovensky. Direção de Arte: Carla Caffé. Música: DJ Dolores e Orquestra Santa Massa.

O EXTERMINADOR DO FUTURO: A REBELIÃO DAS MÁQUINAS



John Connor não pediu o destino que tem: ser o líder da revolta humana contra as máquinas, que no futuro vão dominar a Terra. Connor sabe quem vai ser desde pequeno. Agora ele está cansado de se esconder. O terceiro filme da série O Exterminador do Futuro investe nos personagens. Esse é, talvez, seu maior trunfo. Geralmente subordinados às truncagens e efeitos especiais nos filmes do gênero, aqui os personagens ditam as regras, apesar das sufocantes cenas de exibição de tecnologia. T3 aposta num John Connor adulto e falível.

Prato cheio para Nick Stahl, um dos atores mais talentosos que Hollywood produziu nos últimos tempos, ótimo em uma quase ponta (Entre Quatro Paredes, 01), excelente num filme medíocre (Bully, 01). Stahl assume o papel no lugar do bom Edward Furlong, cujas desculpas para o afastamento do projeto vão desde o desinteresse do ator até seu envolvimento com drogas. Se Furlong era uma bela revelação em 91, Stahl é um belo ator doze anos depois. Seu John Connor ganha traços mais profundos. O roteiro, bem escrito, ajuda. Nele, o robô de Arnold Schwarzenegger é um mero coadjuvante. Ele volta mais uma vez do futuro para proteger Connor. Desta vez, o inimigo é uma mulher: a exterminadora T-X, sexy, bonita e destruidora.

O roteiro de T3 aumenta as possibilidades da história, que ganha mais uma grande personagem, Katherine Brewster, que ganha vida na pele da ótima e sumida Claire Danes, que parece aqui ganhar uma chance de reativar sua carreira. Ela ocupa a vaga de heroína deixada por Linda Hamilton, cujo papel de mãe do salvador foi exterminado da saga. A falta de seu personagem era apenas um dos indicativos de que T3 seria uma bomba. James Cameron não estava no projeto, Furlong tinah pulado fora e o filme parecia um golpe de Schwarzenegger para salvar sua filmografia do ostracismo que tomou conta de seus últimos trabalhos. Tudo piorou quando se anunciou que o musculoso queria se candidatar a governador da Califórnia. Era para entrar no cinema esperando uma bomba. E se surpreender.

O filme não se limita aos dois filmes anteriores e, se não se firma como clássico, é uma continuação eficiente. As novas possibilidades de formatação do futuro da Terra são revelantes e bem explicadas. É um ótimo filme de ação e ainda discute questões mais científicas em seu script. T3 só peca na tentativa de humanizar o robô (Arnold Schwarzenegger poderia ficar com os momentos de humor do roteiro, bem engraçados) e no discurso da seqüência final, mas é digno da estirpe de um filme que antecipou, ainda que timidamente, em 15 anos o que Matrix (99) parecia propor. É bem mais do que se espera de um filme com Arnold Schwarzenegger. A gente se vê no quarto episódio. Hasta la vista, baby.

O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas
Terminator 3: Rise of the Machines, EUA, 2003
Direção: Jonathan Mostow.
Elenco: Nick Stahl, Claire Danes, Arnold Schwarzenegger, Kristanna Loken, David Andrews, Mark Famiglietti, Earl Boen, Moira Harris, Chopper Bernet, Christopher Lawford, Carolyn Hennesy, Jay Acovone.
Roteiro: John D. Brancato e Michael Ferris, com base na história dos dois e de Tedi Sarafian, com os personagens criados por James Cameron e Gale Anne Hurd. Produção: Matthias Deyle, Mario Kassar, Hal Lieberman, Joel B. Michaels, Andrew G. Vajna, Colin Wilson. Fotografia: Don Burgess. Direção de Arte: Jeff Mann. Edição: Neil Travis e Nicolas De Toth. Música: Marco Beltrami, com canção do Blue Man Group. Figurinos: April Ferry.

11 de ago. de 2003

A CRECHE DO PAPAI



Eddie Murphy faz parte daquele time de atores dos quais não vale mais a pena ver um filme. O comediantezinho perdeu a graça (que nunca teve, na verdade) em trabalhos onde o roteiro ocupa papel coadjuvante. O único motivo que me fez assistir a A Creche do Papai foi o trailer que apresentava um menininho vestido de Flash. O personagem, um garoto que se esconde do mundo atrás de uma máscara, é uma idéia genial completamente subaproveitada. O que poderia ser o diferencial do filme é a promessa que menos se cumpre. A Creche do Papai é rapidamente esquecido simplesmente porque não há nada do que lembrar.

A Creche do Papai
Daddy Day Care, EUA, 2003
Direção: Steve Carr
Elenco: Eddie Murphy, Jeff Garlin, Steve Zahn, Regina King, Kevin Nealon, Jonathan Katz, Siobhan Fallon, Lisa Edelstein, Lacey Chabert, Laura Kightlinger, Leila Arcieri, Anjelica Huston, Khamani Griffin, Max Burkholder, Arthur Young.

8 de ago. de 2003

DEZ



Abbas Kiarostami e a câmera digital. O cineasta amante do bastidor adora revelar que um filme é um filme. Sua fórmula pode vir a se esgotar, mas enquanto isso ele leva às últimas conseqüências suas experiências com a fotografia e a montagem. Não fosse isso, Dez teria o mesmo destino que O Vento nos Levará (01): seria um filme tremendamente chato. Kiarostami nos apresenta a uma personagem que está presente na vida de todos, mas que não significada nada para quase ninguém. Uma observadora do mundo. Uma vigia. Talvez por isso esconda seu rosto durante quase todo o filme. A taxista conhece todos e, de certa forma, conduz seus destinos. Protagonista do filme, coadjuvante da vida de todos. O cineasta dialoga com o próprio diálogo, reescreve a habitual forma de conversar. A câmera, não raro, é estática. Do rosto da taxista, relances. O que precisamos ver, afinal? A idéia é boa, mas, mesmo curto, o filme se repete e fica cansativo sem muita demora.

Dez
Ten, Irã/França/EUA, 2002
Direção, Roteiro e Fotografia: Abbas Kiarostami.
Elenco: Mania Akbari, Amin Maher, Kamran Adl, Roya Arabshahi, Amene Moradi, Mandana Sharbaf, Katayoun Taleidzadeh.
Produção: Marin Karmitz e Abbas Kiarostami. Edição: Vahid Ghazi, Abbas Kiarostami e Bahman Kiarostami. Música: Howard Blake.

LUA CAMBARÁ - NAS ESCADARIAS DO PALÁCIO

Rosemberg Cariry juntou Dira Paes e Chico Diaz mais uma vez no sertão do Ceará. Sete anos depois do correto Corisco e Dadá, o cineasta volta ao semi-árido para contar uma pequena saga nordestina. Lua Cambará leva às telas a história de uma mestiça, resultado do estupro de uma escrava negra por um fazendeiro, que termina sendo criada pelo pai e assume seu lugar. O roteiro se apóia na figura mítica da sertaneja forte, erguida sobre as agruras da vida. Cariry acredita na idéia e tenta edificar seu pequeno épico. O tom escolhido é o grandioso, o que não é correspondido pelo orçamento. É duro ter que dizer, mas Lua Cambará precisava de mais dinheiro. Dinheiro para caprichar mais em direção de arte e figurinos e, sobretudo, nos efeitos especiais, pobres, que criam um anjo/demônio incômodo ou espalham gelo seco na noite do sertão.

Mas o problema não é só esse. Com o modelo épico adotado pelo diretor, todos acompanham sua viagem, quase que sempre sem muito sucesso. Caso de Dira Paes, normalmente correta, que exagera na caracterização visceral de sua personagem. O roteiro arma situações tão forçadas quanto sua interpretação. Os outros atores parecem nunca interagir uns com os outros. Muitos se mostram demasiado teatrais, outros até amadores. O novo cinema nordestino, que parecia ter nascido bem com Baile Perfumado (97), ficou somente na promessa. Quando não é velho por opção, investe na literatura equivocada, não forma seus atores, erra o tom, perde o fôlego em pouco minutos. É ruim ter que falar mal de um filme em que se percebe que muita gente investiu para que ele ganhasse vida, mas Lua Cambará é fraco do começo ao fim.

Lua Cambará - Nas Escadarias do Palácio
Lua Cambará, Brasil, 2003
Direção e Roteiro: Rosemberg Cariry.
Elenco: Dira Paes, Chico Diaz, Claudio Jaborondy, Nelson Xavier, Via Negromonte, Toni Silva, W. J. Solha, B. de Paiva, Joca Andrade, Antônio Urano, Douglas Machado, Márcio Jacques, Maíra Cariry, Pedro Gonçalves, Roberto Silva, Soraia Matre, Sofia Xavier, Muriel Racine.
Fotografia: Antônio Luiz Mendes. Edição: Rosemberg Cariry e Severino Dadá. Música: Guilherme Vaz. Figurinos: Albanita Camurça.

TAURUS



As cores de Taurus seguem o padrão de fotografia de alguns filmes de Aleksandr Sokúrov: os filtros deixam a tela tão bela que parecem tentar hipnotizar o espectador. A decadência de Lênin é verde e branca. Um dos homens mais poderosos do mundo perdeu as cores. Descoloriu. A fotografia e a direção de arte são, mais uma vez, espetaculares. Ma's enquanto a forma é bela, o recheio do bolo parece sem gosto. O cineasta parece cair num sono profundo como o que passou a tomar conta da vida de Lênin. Um sono sem muita voz. Melancólico e raquítico. Taurus transforma em tons as certezas de Sokúrov. Tons pálidos. A trilogia da decadência dos grandes líderes enfraquece aqui depois de um belíssimo, ainda que difícil, Moloch. Falta uma personagem magnética como a Eva Braun de Elena Rufanova para que Sokúrov lance tanta ironia sobre Lênin como fez com Hitler. Curioso observar que aqui Sokúrov olha para o próprio umbigo ao falar da história russa. Resultado: os olhos vêem, mas o coração não sente.

Taurus
Telets, Rússia, 2001
Direção e Fotografia: Aleksandr Sokúrov.
Elenco: Leonid Mozgovoy, Mariya Kuznetsova, Sergei Razhuk, Natalya Nikulenko, Lev Yeliseyev, Nikolai Ustinov.
Roteiro: Yuri Arabov. Produção: Viktor Sergeyev. Direção de Arte: Natalya Kochergina. Edição: Leda Semyonova. Música: Andrei Sigle. Figurinos: Lidiya Kryukova.

O FILHO



Tem europeu que não tem jeito e continua fazendo filme cabeça. Bruno Dumont, de A Humanidade (99), é um deles. Os irmãos Dardenne fizeram escola com o outro. Depois de ganharem a Palma de Ouro em Cannes com Rosetta (99), a dupla ataca com o drama psicológico O Filho. Ninguém entende os meandros da mente humana, mas os Dardenne se propõem a investigá-la, acompanhando a história do homem cujo filho foi morto por outro adolescente, que vira seu alvo da forma que menos se espera. A trama não consegue se sustentar. Soa irreal e o personagem central, pouco autêntico (mesmo assim rendeu um prêmio de melhor ator em Cannes para Olivier Gourmet). A sensação é de que o mergulho psicológico dos Dardenne deu de cabeça na pedra - na costa do Atlântico europeu existem muitas rochas... O mal estar maior, que parece ser um dos objetivos dos irmãos com seu filme, é tentar justificar a vingança, seja de que forma for, disfarçadamente, acovardadamente. Será que existe justificativa para a morte?

O Filho
Le Fils, França, 2002
Direçãoe Roteiro: Jean-Pierre e Luc Dardenne.
Elenco: Olivier Gourmet, Morgan Marinne, Isabella Soupart, Nassim Hassaïni, Kevin Leroy, Félicien Pitsaer, Rémy Renaud, Annette Closset, Fabian Marnette, Pierre Nisse, Stephan Barbason, David Manna, Abdellah Amarjouf.
Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne e Denis Freyd. Fotografia: Alain Marcoen. Direção de Arte: Igor Gabriel. Edição: Marie-Hélène Dozo. Figurinos: Monic Parelle.

IRREVERSÍVEL



Fazer filme de trás pra frente está na moda. Do ótimo curta brasileiro Palíndromo (01), de Philippe Barcinski, ao bom cult norte-americano Amnésia (01), de Christopher Nolan. Desta vez, é a França quem brinca com a cronologia. Irreversível, à primeira vista, é mais simples que o colega dos EUA. Enquanto Amnésia vai e volta no tempo, o filme de Gaspar Noé se mantém de trás pra frente o tempo inteiro. Christopher Nolan nos propõe um jogo, onde o obejtivo é descobrir o que aconteceu. Aqui não. O espectador é convidado a ver como tudo começou. O início é o fim e o fim é o início. Basta seguir o fluxo.

Noé faz cinema francês novo, moderno, urbano, até pop. Dispensa o discurso cabeça que afastou muita gente dos filmes que vinham da França. Guarda semelhanças com o que Matthieu Kassovitz fez com O Ódio (95), do qual herdou o protagonista Vincent Cassel. Mergulha na violência do dia-a-dia. Sem questionar, se atreve a mostrar. A cena mais comentada e atacada de Irreversível é o famoso estupro de mais de dez minutos sofrido por Monica Bellucci, muito mais linda que em Matrix Reloaded (03), mas a violência de um assassinato dentro de uma boate nos minutos iniciais do filme é difícil de tirar da memória. O cineasta impõe uma força impressionante ao filme. Força bruta porque tem coisa que só vai na porrada.

É comum atacar o filme por sua exposição, talvez excessiva, da violência, mas Irreversível não parece ser um filme feito para chocar necessariamente. É mais uma experiência com o tempo e com o espectador. Os efeitos de sua narrativa e de sua velocidade acelerada parecem ser bem mais importantes para Noé que a crueza de algumas cenas. Noé lança significados e correlações para que o espectador ligue tudo o que está acontecendo. Nem tente. Não dá para pegar todas as pistas com uma só olhadela no filme. Irreversível mostra o quanto você está acostumado a olhar para as coisas por um só lado só. Basta mudar o jogo para você se atrapalhar. E isso é bom.

Irreversível
Irreversible, França, 2002
Direção, Roteiro e Edição: Gaspar Noé.
Elenco: Vincent Cassel, Monica Bellucci, Albert Dupontel, Jo Prestia, Philippe Nahon, Stéphane Drouot, Jean-Louis Costes, Mourad Khima, Gaspar Noé.
Produção: Christophe Rossignon. Fotografia: Benoît Debie e Gaspar Noé. Música: Thomas Bangalter.

BELEZA AMERICANA



Um olhar mais atento para o que se vê no dia-a-dia pode nos revelar mais beleza do que possamos imaginar. Ricky Fitts passa seus dias buscando essa beleza escondida na imagem de um pássaro morto, no balé de um saco plástico ao vento e na janela de sua vizinha, Jane. O garoto tenta buscar a beleza que sua vida perdeu por causa da austeridade do pai, um militar reformado violento, e da ausência da mãe, psicótica que não percebe mais o mundo a sua volta.

O pai de Ricky, o Coronel Frank Fitts, não acredita mais na beleza. Construiu sua vida e a de sua família moldada por regras com quem trava batalhas diárias. Prende sua respiração para conseguir suportar dores fortes que não quer sentir. Conseguiu matar su mulher sem derramar uma gota de sangue. Barbara Fitts simplesmente deixou de existir. Conseguiu destruir a relação com seu filho, que deixou dois anos drogado numa clínica depois de pegá-lo fumando maconha.

Ricky vive com sua câmera digital. É através dela que ele consegue enxergar um mundo mais belo. É assim que ele descobre Jane. Jane vive numa casa linda, com decoração perfeita e um sofá de US$ 4 mil. Mas Jane não vive feliz. Sente-se um alien na escola, perto das menininhas bonitinhas e sensuais, como sua amiga Angela Hayes. Ela é uma adolescente esquecida pelos pais. Com o pai, já não fala há meses. Ele nem percebeu, de dentro da vida rotineira de emprego sem graça que se acostumou a ter. A mãe é uma farsa. Finge ser uma yuppie de sucesso, mas nem a trilha sonora dos jantares que prepara consegue esconder sua imagem forjada.

Todos os personagens desta história esqueceram de olhar mais atentos para as coisas que nós vemos no nosso dia-a-dia. Todos eles esqueceram da beleza. Menos Ricky. Quando Ricky vai morar ao lado de Jane, ela percebe que não está sozinha. Quando Ricky oferece maconha para o pai dela, ele percebe o quanto tudo está errado na sua própria vida. Percebe que não suporta mais sua mulher, que não faz questão de esconder o quanto está insatisfeita com ele. Quando Ricky diz a Angela o quanto ela é comum, a mulher mais bonita da escola desaba porque sabe que é verdade. Quando Ricky mente para ferir o próprio pai que tantas vezes o feriu, este deixa aflorar o que suas regras nunca mataram por completo. Ricky faz com que todos busquem a beleza.

Os personagens de Beleza Americana são arquétipos desconstruídos. Todos vêm do lugar comum que determina o famoso american way of life. Todos existem. Todos percebem o quanto há de mentira nas suas vidas. Mentiras que construíram uma sociedade artifical, moldada para ser perfeita numa forma de fortaleza e invencibilidade. Um país sem nome que inventa para seu próprio povo uma aura de liderança. Basta um filme sobre uma família para provar que tudo está errado.

Não existe uma direção mais perfeita que a de Sam Mendes em Beleza Americana. Ele está em todos os lugares. Seu toque pode ser sentido em todas as cenas. A fotografia e a direção de arte, simplesmente irretocáveis, criam o ambiente mais puro, pronto para ser mutilado. O cuidado com a imagem é ímpar. Como o cuidado que o personagem de Peter Gallagher tem com a sua. Mendes chega disposto a revelar a farsa. E quando a farsa acaba, acaba a tolerância, que explode na acidez de Kevin Spacey, no desespero de Annette Bening, na explosão interna de Chris Cooper, no rosto sem face de Allison Janney, no choro de Mena Suvari, na tristeza de Thora Birch e nos olhos de Wes Bentley. Nos olhos de Ricky. Olhos que enxergam a decadência de uma nação, mas que buscam mais que divisões geopolíticas. Olhos que buscam a beleza que está escondida nas coisas que passam por nós todos os dias.

Beleza Americana
American Beauty, EUA, 1999
Direção: Sam Mendes.
Elenco: Kevin Spacey, Annette Bening, Wes Bentley, Thora Birch, Mena Suvari, Chris Copper, Allison Janney, Peter Gallagher, Scott Bakula, Sam Robards, Barry Del Sherman.
Roteiro: Alan Ball. Produção: Dan Jinks e Bruce Cohen. Fotografia: Conrad L. Hall. Direção de Arte: Naomi Shohan. Edição: Tariq Anwar e Christopher Greenbury. Música: Thomas Newman. Figurinos: Julie Weiss.

5 de ago. de 2003

CELESTE E ESTRELA



Filme falando de filme. Dá certo? Nem sempre. Betse de Paula queria porque queria falar sobre cinema no seu segundo longa-metragem. Convidou o curta-metragista José Roberto Torero (do ótimo Morte) para escrever o roteiro junto com ela e uma moça chamada Júlia Abreu. Inventou uma comédia romântica clássica. O cara tímido ama a mocinha inteligente e senhora de si e faz de tudo para conquistá-la. E colocou seus protagonistas no mundo do cinema. No cinema brasileiro, nunca deu tão certo falar de cinema brasileiro. E olhe que nós estamos num país onde o maior pecado de sua cinematografia é a falta de bons roteiros.

Os roteiristas embarcam por uma lição de como amarrar uma história, onde constroem toda a trajetória de quem quer fazer cinema no Brasil. Celeste e Estrela é didático sem soar didático. Mostra os personagens nos bastidores sem parecer que entrou nos bastidores somente para mostrar os personagens. É leve e simpático mesmo quando quer mostrar barbaridades. Dira Paes e, sobretudo, Fábio Nassar, estão engraçados e seguram a peteca mesmo quando surgem alguns lugares comuns. Os diálogos de Torero são inteligentes e a metalinguagem é palavra de lei (às vezes, usada em excesso, é bem verdade...), mas num conjunto em muitos momentos delicioso de assistir. Lição pra muito cineasta que não sabe ser irônico e simpático ao mesmo tempo.

Celeste e Estrela
Celeste e Estrela, Brasil, 2003
Direção: Betse de Paula.
Elenco: Dira Paes, Fábio Nassar, Ana Paula Arósio, Mark Hopkins, Hugo Rodas, Henrique Rovira, Carmen Moretzsonh, Nívea Hellen, Tadeu di Filipe, Ricardo Machado, Alexandre Picarelli, Iara Pietricovsky.
Roteiro: Betse de Paula, Julia de Abreu e José Roberto Torero. Produção: Aurélio Vianna. Fotografia: Lito Mendes da Rocha. Direção de Arte: Sônia Paiva e Elisa Castro. Edição: Marta Luz. Música: André Moraes. Figurinos: Lê Brasil.

P.S.: Celeste e Estrela integrou a mostra de cinema Panorama Brasil, em Salvador. Não sei quando ele entra em cartaz em circuito normal.

4 de ago. de 2003

CURTAS BRASILEIROS

O II Panorama do Cinema Brasileiro, em Salvador, exibe uma série de curtas-metragens recentes produzidos no país. Alguns já exibidos em vários festivais e mostras pelo Brasil e/ou mundo afora. Outros nem tanto. Aqui vão alguns do que eu vi nos últimos
dias. Muito bem acompanhado, diga-se de passagem.

Afinação da Interioridade
Roberto Beliner, RJ, 35mm, 1', 2001
Gilberto Gil e suas hesitações.

No Coração de Shirley
Edyala Yglesias, BA, Fic, 35mm, 20', cor, 2002
O mundo da prostituição. Vai do humanista ao burocrático.

Zoando o Barraco
Allan Sieber, RJ, Ani, digital, cor, 2', 2000
Exemplar da série que teve por base o delicioso Deus é Pai. Esse é legal. Nada demais.

O Corneteiro Lopes
Lazáro Farias, BA, Fic, 35mm, cor, 21' , 2002
Produção caprichada, mas muito formal.

Deus é Pai
Allan Sieber, RJ, Ani, digital, cor, 4', 1999
Segunda vez que chega à minha vista. Genial. Sem amarras.

Morte
José Roberto Torrero, SP, Fic, 35mm, 12', cor, 2002
Inteligente e nem humorado. E triste ao mesmo tempo. Idéia fantástica, com dois atores excelentes.

O Fusca
Flávio Frederico, SP, Fic, 35mm, 12', cor, 2002
Uma história construída sob vários pontos de vista. Você já viu isso em algum(ns) lugar(es). Bem feito.

Plano Seqüência
Patrícia Moran, SP, Fic, 35mm, 12', cor, 2002
Já tinha visto. Boa idéia, bons momentos e bela montagem. Mas tem um quê cabeça que incomoda um pouco.

Onde Andará Petrúcio Felker?
Allan Sieber, RJ, Ani, 35mm, cor, 10" 2001
Fantástico. Adoro quando destroem os cabeças.

A Lasanha Assassina
Ale Machado, SP, Ani, 35mm, 8', cor, 2002
Lasanha esquecida na geladeira sofre mutações e devora uma família. Delicioso. Do mesmo diretor do ótimo Almas em Chamas.

Boca a Boca
Allan Ribeiro, RJ, 16mm, 17', 2003
A mentira e suas conseqüências. Não emplaca e é mal dirigido.

Candeias: da Boca pra Fora
Celso Gonçalves, SP, Doc, 16mm, 17', cor, 2002
Documentário sobre o revolucionário cineasta Ozualdo Candeias feito de uma forma que nunca seria usada pelo homenageado.

Não Perca a Cabeça
André Luiz de Luiz, SP, Fic, digital, 3', cor, 2002
Nem vou falar de que cabéça se trata. Com Bárbara Paz.

Rolê
Ana Rosa Marques, Camilo Cavalcante e Tatiana Baruel, BA/SP, Doc, digital, 24', 2003
Coisa de estudante ainda naquele clima de mostrar as mazelas sociais, encantando pelo MST e por Cuba. Atira pedras pra todos os lados e não acerta em nenhum. O pior de tudo é mostrar depoimentos de pessoas que "ouviram falar" como foi aquele confronto entre polícia e estudantes no Fórum Social. "Ouviram falar?".

O Metro Quadrado
Flávia Cândida, RJ, Fic, 16mm, cor, 2002
Cinco pessoas precisam resolver um problema: o escritório está diminuindo. Faz uma homenagem às homenagens aos filmes noir, tipo Cliente Morto Não Paga. No meio do caminho, se perde, mas é divertido.

Daqui pra frente, curtas exibidos no programa Curtas Extremos. A maioria abraça o trash.

Palhaço Xupeta
André Sampaio, RJ, Fic, 16mm, cor, 1996
Não entendi às referências à Copa de 1970. Mas eu não gosto de futebol mesmo, então... No meio disso tudo, o Palhaço Xupeta vai animar uma festinha e acha medíocre a cena das criancinhas dançando Turma da Xuxa. Metralha de verdade todas elas com sua metralhadora de mentira. O que dizer mais.

Jugular
Fernanda Ramos, SP, 35mm, 5', cor, 1997
Fórmula não muito original: fotografar os fotogramas e contar a história sem movimento. Aqui, o resultado é bem bonito visualmente e a história é legal.

Conrad - Bruxaria, Pajelança & Canibalismo
Luciano Maciel, SP, 35mm, Cor, 11', 2003
Demônio quer virgem. Trash até o topo da escala. E o pior: tem até assistente de direção.

Kyrie (ou o Início do Caos)
Débora Waldman, SP, 35mm, Fic, cor, 15', 98
Melhorzinho que o anterior, com demônios também (e a Júlia Feldens). Bela fotografia em azul.

Resgate Cultural - O Filme
Telephone Colorido e Pajé Limpeza, PE, Exp, cor, 16mm, 20', 2001
O melhor de todos desta seleção. Ariano Suassuna é sequestrado por militantes que querem saber quem mateou Chico Science. O riquíssimo universo cultural de Pernambuco é pincelado numa história com clima de Hermes e Renato.

Bola 8
Allan Sieber, RJ, Ani, digital, cor, 5', 2000
Sieber cai em sua própria armadilha e faz um filme preconceituoso.

Mera Abulia
Póla Ribeiro, BA, Fic/Exp, digital, cor, 13', 1998
Fala demais por não ter nada a dizer.



A Hora Vagabunda
Rafael Conde, MG, Fic, 35mm, 17', cor
Jovens sem rumo pelas ruas de BH. Conde já foi melhor em Françoise.

Castanho
Eduardo Valente, RJ, Fic, 35mm, 12', cor, 2002
Até onde vamos para acreditar no que queremos. Eduardo Valente, o rapaz de Cannes e figurinha fácil nas mostras e festivais, faz um filme leve e inteligente sobre o não contentar-se de contente. Não vi Sol Alaranjado, infelizmente. Não posso comparar. Caprichada direção de arte e figurinos. Trilha dos Los Hermanos, o que, por si só, já ganha uma estrela.

Pureza Insolente
Paulo Tiago, BA, Fic, digital, cor, 10', 2002
Somente (bela) trilha e (belas) imagens. Um menino, seu avô, um passarinho na gaiola. E o sol da Bahia. Quer mais?

Arte na Cidade Salvador
Danillo Barata, BA, doc, digital, 24', 2003
Tenta estudar a arte contemporânea em Salvador. O formato é legal, mas a edição, irregular. O primeiro depoimento de um artista é longo e chato. Depois, fica mais interessante. O melhor é ver que quem faz arte ainda pensa em mudar o mundo. Gaio pinta a planta de casas em pontos de ônibus e sob viadutos para, de seu jeito, garantir a casa própria (e luxuosa) para quem vive na rua. Nem sempre se pode ser Deus, mas sempre se pode ser criativo.

Rotina
Mauro Hirata F. (este passou sem crédito no programa. Espero não ter errado o nome do diretor)
A rotina e suas conseqüências. Tenta ser legal, mas entedia. Bem feitinho.

Vinte e Cinco
Maria Ribeiro, RJ, fic, 35mm, 16', cor, 2002
Pois é... esse aqui é o que eu menos esperava e o que mais me agradou. Logo um filme da Maria Ribeiro, aquela atriz lindinha que nunca me deu motivos para crer que tivesse talento. Maria faz uma reflexão divertida e nostálgica sobre os vinte e cinco anos, lembrando do tempo que já foi e do que ficou no caminho. Consegue alguns momentos de poesia sem ser cabeça e brinca com possibilidades de imagem e narração. Nada demais. Nada de menos. Quando mostra os flashbacks, o filme fica "de menininha" demais, mas quando volta para a narração em off consegue, muitas vezes, deliciar o espectador. Trilha dos Los Hermanos, o que, por si só...


 
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