[f i l m e s d o c h i c o]

29 de jul. de 2005

O branco no preto



Um homem e uma missão. Este é Hartigan, policial obstinado a salvar uma garotinha de 11 anos das mãos de um assassino estuprador. Outro homem e outra missão. Marv quer vingar a morte da única mulher que ignorou sua aparência monstruosa. Um terceiro homem, mais uma missão. Dwight precisa evitar que um grupo de prostitutas seja atacada por um bando de malfeitores. A vida tem poucas cores em Basin City, lugar dominado por personagens com um firme propósito: sobreviver. O ambiente criado por Frank Miller reproduz o universo escuro dos filmes noir, onde corrupção, crimes e violência estão intrinsecamente ligados ao que move o dia-a-dia.

Traduzir para o cinema as histórias de Hartigan, Marv e Dwight foi a missão de um quarto homem: Robert Rodriguez. Cineasta extremamente irregular, ele optou pela inverossimilhança para ser o mais fiel possível à obra original. Rodriguez, que dividiu o cargo de diretor com o próprio Miller (e foi expulso do Directors Guild of America por causa disso), decidiu estilizar ao máximo seu filme, artificializando a fotografia em preto-e-branco (estourando a luz, trabalhando com fundos azuis e cenários virtuais, destacando os mínimos elementos coloridos). A tática, acusaram, deixou o filme perigosamente próximo às graphic novels, quase uma prisão formal.

Bobagem. As técnicas usadas por Rodriguez são impressionantes. Capturaram o "movimento" das HQs. Nunca houve um filme que reproduzisse com tanta eficiência e fidelidade a linguagem dos quadrinhos. Revolução, sim. Revolução que não merece o nome de obra-prima, mas revolução. Mas Sin City se dedica a essa preocupação estética com o mesmo empenho com que cuida de suas personagens, todos mergulhados em pequenas crises pessoais e tratados como peões de um mundo noir, ressaltado pela narração em off.

Para condenar a violência, que vem em dose excessiva porque é ela que conduz a história, é preciso um argumento muito bom porque os três protagonistas, ainda que procurem métodos questionáveis, têm motivos justos, que quase sempre esbarram na defesa de inocentes. O mais violento de todos, Marv, ganhou um intérprete apaixonado em Mickey Rourke. Longe de um papel decente havia anos, o ator se entrega completamente ao anti-herói deformado que quer vingar seu único e fugaz amor. É comovente pensar que isso pode ser fruto de uma identificação com a aparência monstruosa do ator. Quem pode ter certeza? Ninguém. Em Sin City, não há muitas verdades.

SIN CITY - A CIDADE DO PECADO
Sin City, Estados Unidos, 2005.
Direção: Robert Rodriguez e Frank Miller.
Roteiro: Frank Miller, baseado em suas graphic novels.
Elenco: Bruce Willis, Mickey Rourke, Jessica Alba, Clive Owen, Nick Stahl, Powers Boothe, Rutger Hauer, Elijah Wood, Rosario Dawson, Benicio Del Toro, Jaime King, Devon Aoki, Brittany Murphy, Michael Clarke Duncan, Carla Gugino, Alexis Bledel, Jesse De Luna, Jude Cicciolella, Tommy Flanagan, Rick Gomez, Nicky Katt, Jason McDonald, Frank Miller, Josh Hartnett, Marley Shelton.
Fotografia e Montagem: Robert Rodriguez. Direção de Arte: Jeanette Scott. Música: John Debney, Graeme Revell e Robert Rodriguez. Produção: Elizabeth Avellan, Frank Miller e Robert Rodriguez. Site Oficial: Sin City. Duração: 126 min.

nas picapes: I'll Be Your Mirror, The Velvet Underground.

28 de jul. de 2005

Elogio à criação



O poder de criação de uma criança é algo sem limites. Numa cultura em que a idéia de que a saúde nasce apenas de uma pelada ou de uma brincadeira de esconde-esconde, os jogos solitários dos meninos solitários, onde se criam personagens, mundos, poderes, são condenados a pequenas punições em prol do bem-estar, do desenvolvimento, da sociabilidade. A tesoura que inibe a criatividade ganhou um feroz adversário. Seu nome é Racer Max, 7 anos, profissão: filho de cineasta.

Racer é o criador da história original que se transformou em As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl em 3-D, que seu pai, o diretor Robert Rodriguez resolveu fazer nos intervalos de filmagens de Sin City. O conceito de múltiplas possibilidades de realidade surgindo da cabecinha de um garoto de 7 anos é genial. Pouco importa se há tantas idéias reaproveitadas: redistribuir funções às personagens, por exemplo, é algo que David Lynch, mal comparando, utiliza até hoje em seus filmes.

O visual tosco, tão comum aos filmes em 3-D, esconde um pensamento elaborado sobre manipulação de realidades e co-existência de dimensões paralelas, sob a forma de conto moral infantil. A história escrita por Racer louva o poder da imaginação a partir da belíssima constatação de que a automutilação de sua criativadade é algo ruim. Nada muito original, caso não surgisse de uma criança. O pai de Racer, nesse sentido, também merece créditos já que apostar nesta idéia, inocente mas nunca ingênua, é um pequeno elogio à criação. Triste do menino que nunca criou seu super-herói.

AS AVENTURAS DE SHARKBOY E LAVAGIRL EM 3-D
The Adventures of Sharkboy and Lavagirl in 3-D, Estados Unidos, 2005.
Direção: Robert Rodriguez.
Roteiro: Robert Rodriguez e Marcel Rodriguez, a partir da história de Racer Max Rodriguez.
Elenco: Cayden Boyd, Taylor Lautner, Taylor Dooley, George Lopez, David Arquette, Kristin Davis, Jacob Davich, Sasha Pieterse, Rico Torres, Rebel Rodriguez, Racer Rodriguez, Rocket Rodriguez.
Fotografia e Montagem: Robert Rodriguez. Música: John Debney, Graeme Revell e Robert Rodriguez. Produção: Elizabeth Avellan e Robert Rodriguez. Site Oficial: As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl em 3-D. Duração: 93 min.

rodapé: Salvador deve aderir às cinemaratonas. O circuito Sala de Arte, que controla três salas com a melhor programação da cidade (há sempre uns sete, oito filmes "alternativos" em cartaz) já estuda onde acontecerá a maratona semanal. A princípio, a sala do Clube Bahiano de Tênis seria a escolhida. A idéia é reprisar o que já acontece nos eventos do Cine Odeon, no Rio, e do Espaço Unibanco e Cine Belas Artes, em Sampa. A comunidade cinéfila da cidade já está agitada.

nas picapes: Mais uma Canção, Los Hermanos.

Gasolina adulterada



Lindsay Lohan é muito fofinha e tudo mais, mas nem o sorrisão da ruivinha salvou a "reimaginação", palavra de ordem em Hollywood, do fusquinha vivo Herbie da falta de idéias. O roteiro que tem assinatura de gente famosa, com a dulpa Alfred Gough e Miles Millar (autores da história de Homem-Aranha 2, 2004), sofre de ausência de vontade de existir. Não há sombra do charme do filme original (nem de suas seqüências). Por sinal, o conceito todo do Herbie parece não caber no século XXI, pelo menos agora: a inocência da "personagem" soa completamente deslocada hoje em dia, o que diminui imensamente a idade do público-alvo do filme. Essa prisão nostálgica do filme, somada a uma direção sem expressão, a um roteiro francamente ruim - com texto muito ruim - e ao desperdício de atores como Michael Keaton e Matt Dillon, pouco inspirados em papéis pouco inspirados, nada sobra além da vontade (pequena) de rever Se Meu Fusca Falasse (Robert Stevenson, 1968).

HERBIE: MEU FUSCA TURBINADO
Herby: Fully Loaded, Estados Unidos, 2005.
Direção: Angela Robinson.
Roteiro: Thomas Lennon, Ben Garant, Alfred Gough e Miles Millar, baseado em estória de Thomas Lennon, Mark Perez e Ben Garant e nos personagens criados por Gordon Buford.
Elenco: Lindsay Lohan, Michael Keaton, Matt Dillon, Breckin Meyer, Justin Long, Cheryl Hines, Jimmi Simpson, Jill Ritchie, Thomas Lennon, Jeremy Roberts, Peter Pasco, Mario Larraza, Patrick Cranshaw, Scoot McNairy.
Fotografia: Greg Gardiner e Daniel C. Gold. Montagem: Wendy Greene Bricmont e Edward A. Warschilka. Direção de Arte: Daniel Bradford. Música: Mark Mothersbaugh. Figurinos: Frank Helmer. Produção: Robert Simonds. Site Oficial: Herbie: Meu Fusca Turbinado. Duração: 101 min.

nas picapes: Motorway To Roswell, Pixies.

27 de jul. de 2005

É o lobo! É o lobo! Ah, é?



Wes Craven é cineasta multifuncional. Serve para fazer filmes bons; serve para fazer filmes ruins. A expectativa, desta vez, era bem boa: o diretor, retomando a parceria com o roteirista da delícia chamada Pânico (de 1996, que gerou uma seqüência ótima e outra medíocre) num filme de lobisomens, estrelado pela musa indie Christina Ricci, que há tempos não faz nada que preste. Mas o alarme era mais falso do que os avisos que desacreditaram Pedro, o do lobo. Amaldiçoados é ruim que dói.

Veja bem, filmes com lobisomens têm uma grande probabilidade de serem porcarias: Mike Nichols, pra citar apenas um diretor com certo prestígio, há 11 anos, tentou fazer um longa sério sobre o tema, Lobo, e conseguiu apenas desperdiçar Jack Nicholson e Michelle Pfeiffer. Algo parecido acontece com a pobre Christina Ricci, que ganha a pele de uma executiva de TV e vive fardada como tal.

Craven, que não lançava um longa novo havia cinco anos, resolveu levar seu filme menos a sério. O roteiro abre espaço para dezenas de piadas - quase todas sem a mínima graça - e as verdades sobre os lobisomens ganham adaptações abestalhadas. O roteirista Kevin Williamson, tão criativo outrora, resgata fórmulas tão gastas - e que nunca funcionam muito - de forma tão inocente (quero crer que aquilo não tenha sido intencional), que esculhamba qualquer tentativa de fazer o filme vingar.

E, olha, nem há essa tentativa.

Na saída da sessão, há a real impressão de que o filme foi deliberadamente feito para ser ruim. Não uma brincadeira boboca, despretensiosa, nem um produto com pretensões de virar cult pelo lado trash - esse lado mal existe. Amaldiçoados é ruim porque não faz esforço nenhum para ser bom nem para ser ruim. Entregar pontas a Shannon Elizabeth (ótima na performance de seus seios em American Pie, irmãos Weitz, 1999) ou para aquela cantorazinha daquele tipo de musicazinha que domina as paradazinhas dos Estados Unidos é um recurso tão zero-a-esquerda que você deseja que Freddy Kruger apareça a qualquer momento para estralhaçar todo mundo: dos lobos ao diretor.

AMALDIÇOADOS
Cursed, Estados Unidos, 2005.
Direção: Wes Craven.
Roteiro: Kevin Williamson.
Elenco: Christina Ricci, Jesse Eisenberg, Joshua Jackson, Portia de Rossi, Mya, Shannon Elizabeth, Daniel Edward Mora, Kristina Anapau, Scott Baio, Milo Ventimiglia, Jonny Acker, Eric Ladin, Michael Rosenbaum, Judy Greer, Derek Mears e o cão Solar.
Fotografia: Robert McLachlan. Montagem: Gregg Featherman, Patrick Lussier e Lisa Romaniw. Direção de Arte: Chris Cornwell e Bruce Alan Miller. Música: Marco Beltrami. Figurinos: Alix Friedberg. Produção: Marianne Maddalena e Kevin Williamson. Site Oficial: Amaldiçoados. Duração: 96 min.

nas picapes: World Leader Pretend, REM.

26 de jul. de 2005

Simplesmente amor



De Repente é Amor é uma gracinha, uma bela surpresa. Vamos aos fatos:

fato 1: o diretor Nigel Cole trouxe das suas comédias interioranas inglesas (o ótimo O Barato de Grace, 2000, e o simpático Garotas do Calendário, 2003) um tratamento que dá ao filme um tom charmoso (e algo inteligente);

fato 2: apesar de não fugir muito das fórmulas do gênero (o filme é essencialmente uma bobagem), consegue ser extremamente desprendido ao repetir os lugares comuns; nunca quer ser um tratado sobre "alma gêmea", "destino" ou conceitos afins, mas se mantém como uma brincadeira sobre os encontros e desencontros de um casal;

fato 3: a trilha sonora, que, às vezes, toma espaço demais é a mais interessante e nostálgica entre as comédias românticas recentes, que tentam a todo custo fazer este túnel do tempo funcionar; a cena do carro, com If You Leave Me Now, do Chicago, invadindo uma discussão entre os dois protagonistas sintetiza esse encantamento pelo simples que o filme promove;

fato 4: o filme nunca é apenas um veículo para Ashton Kutcher, que, por sinal, está além de qualquer expectativa no papel (a melhor coisa dele desde That '70s Show); os coadjuvantes também estão muito à vontade e Amanda Peet, com aqueles dentões, é encantadora.

DE REPENTE É AMOR
A Lot Like Love, Estados Unidos, 2005.
Direção: Nigel Cole.
Roteiro: Colin Patrick Lynch.
Elenco: Amanda Peet, Ashton Kutcher, Taryn Manning, Aimee Garcia, Tyrone Giordano, Melissa van der Schyff, James Read, Molly Cheek, Gabriel Mann, Kathryn Hahn, Ali Larter, Amy Aquino, Josh Stamberg, Jeremy Sisto.
Fotografia: John de Borman. Montagem: Susan Littenberg. Direção de Arte: Tom Meyer. Música: Alex Wurman. Figurinos: Alix Friedberg. Produção: Armyan Bernstein e Kevin J. Messick. Site Oficial: De Repente é Amor. Duração: 107 min.

nas picapes: Big Exit, PJ Harvey.

A história de nós dois



Fala-se muito na relação entre mãe e filho, sobre o algo mágico que une estes dois papéis. Mas de certa forma há um certo desprezo, ou descaso, com o laço invisível entre dois irmãos, talvez uma das maiores formas de reconhecimento de um homem com sua história. Irmão é aquele com quem se partilha a infância (o sonho, a imaginação, a formação). Há alguns anos, quando meu irmão sofreu um acidente e quase morreu, comecei a pensar como seria a vida sem o conforto de alguém que cresceu ao seu lado, mesmo que hoje ele more longe.

Os corredores de um hospital podem ser mais assustadores do que muito filme de terror. No melodrama hospitalar dirigido pelo francês Patrice Chéreau, estes corredores são os responsáveis por reunir dois irmãos afastados sem notícias um do outro havia alguns anos. Bruno Todeschini é Thomas. Ele descobriu que tem uma grave doença no sangue que destrói sua resistência imunológica. Quando tem que voltar ao hospital, Thomas pede a ajuda e a companhia do irmão Luc, com quem havia perdido o contato durante um bom tempo porque suas vidas tomaram rumos bem diferentes.

A partir desta situação fartamente explorada na ficção, Chéreau se dedica a dar nuances à parceria entre Thomas e Luc e, reiventando a cronologia de sua história recente, nos oferece golpes do amor entre os dois irmãos. Mas o diretor - e, antes dele, o autor do livro, - se esquiva de uma visão reducionista e conciliatória desse reencontro. O amargo é o sabor mais difícil de ser depurado e o francês não sabe ser tão latino na sua entrega, o que seria mais acolhedor a princípio. Por isso, parece muito real a história contada no filme.

A crueza/crueldade, o amor contido, a presença que nega toda a diferença sem verbalizá-la. Mora no irmão distante a calmaria, a fortaleza. Sem flashbacks, pelo simples poder da palavra, ou pela sugestão da companhia, a história de um dois homens se reergue na frente do espectador. Dois homens que se amam e que podem estar muito próximos de se separar. Eles querem apenas brincar mais uma vez.

IRMÃOS
Son Frère, França, 2003.
Direção: Patrice Chéreau.
Roteiro: Patrice Chéreau e Anne-Louise Trividic, baseados na novela de Philippe Besson.
Elenco: Bruno Todeschini, Eric Caravaca, Nathalie Boutefeu, Catherine Ferran, Antoinette Moya, Fred Ulysse, Robinson Stévenin, Sylvain Jacques, Maurice Garrel, Pascal Greggory.
Fotografia: Éric Gautier. Montagem: François Gédigier. Música: Danny Elfman, com canções compostas por Roald Dahl musicadas por Elfman. Figurinos: Caroline de Vivaise. Produção: Pierre Chevalier.

nas picapes: Made of Stone, The Stone Roses.

23 de jul. de 2005

Parque de diversões macabro



Há filmes que, menos por méritos cinematográficos (ou artísticos mesmo) e mais por importância na nossa história pessoal, ganham tremendo espaço em nossos corações cinéfilos. Filmes a que assistimos na infância ou adolescência; filmes que ocupavam nossas tardes e nos conquistavam porque, mesmo tão fantasiosos, nos pareciam tão próximos por serem tão hábeis em conquistar nossa imaginação. Vajam o caso de A Fantástica Fábrica de Chocolate, filme que Mel Stuart dirigiu no longínquo ano de 1971 e que se transformou num dos maiores clássicos da Sessão da Tarde, da TV Globo, na época em que a Sessão da Tarde exibia algumas pérolas. Este filme é um dos preferidos de toda uma geração. Geração da qual eu faço parte. Praticamente todas as pessoas da minha faixa etária que eu conheço amam este filme.

Menos eu.

Não que eu me sinta orgulhoso de estar à parte deste grupo e parecer, digamos, original. Meus motivos não são tão nobres. Eu não gosto de A Fantástica Fábrica de Chocolate tanto quanto meus amigos e colegas porque eu nunca consegui suportar Gene Wilder, seu protagonista. Não sei o que é. É meio difícil de entender. Reconheço o talento dele, especialmente para a comédia, mas nunca consegui olhar muito para a cara dele. Coisa de maluco mesmo. No entanto, essa condição, a de não estar preso a uma memória afetiva mais forte em relação ao longa, me dá uma postura diferenciada agora, quando o assunto é a refilmagem comandada por Tim Burton. O argumento de "nunca vai chegar aos pés do original" não significa nada para mim.

Primeiro, é preciso ressaltar: Tim Burton é um criador reconhecido, com obra facilmente identificada, um autor com universo de atuação delimitado, diferentemente de Mel Stuart. E o livro de Roald Dahl se encaixa perfeitamente neste universo. Burton, por sinal, já havia se aventurado em outro texto de Dahl na bela animação James e o Pêssego Gigante (1996), produzida por ele. Nesta nova incursão, o cineasta reprisa seus temas (sobretudo o que move seu cinema: o limite entre realidade e fantasia) sem perder uma gota do conceitual de sua obra. Pelo contrário, Burton serve tão bem ao livro quanto o livro serve a Burton.

A concepção visual, espetacular, mais uma vez parece ser o foco, mas é apenas uma arma do cineasta para cooptar a história para si. O diretor trata de, mesmo diante de uma obra de alcance infanto-juvenil, dar mais idade ao texto, ressaltando seus aspectos mais cruéis e mórbidos. Johnny Depp, que recentemente resolver assumir para sempre a afetação a suas interpretações (desde Pirata do Caribe a A Janela Secreta, passando pelo macabro Em Busca da Terra do Nunca), consegue se encaixar perfeitamente ao tom que Burton busca. Seu Willy Wonka é perturbado, agressivo, vingativo, impiedoso. A comparação com o Wonka de Wilder é impossível para mim. Diante disso, Depp está mais que satisfatório, está adequado.

O tom mais duro adotado por Burton, apoiado no psicótico criado por Depp, é o grande trunfo dessa versão. É quase um "pague para entrar, reze para sair". Não posso me aprofundar em comparações, mas com um diretor mais perverso, o material parece funcionar melhor. A despeito das alusões pedófilas que muitos insistem em ver - que eu acho viagem pura -, a fábula recontada aqui é de redenção, cheia de lições de moral das mais simples, mas até chegar ao fim, as criancinhas sofrem um bocado.

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE
Charlie and the Chocolate Factory, Estados Unidos, 2005.
Direção: Tim Burton.
Roteiro: John August, baseado no livro de Roald Dahl.
Elenco: Johny Depp, Freddie Highmore, David Kelly, Noah Taylor, Helena Bonham-Carter, Missi Pyle, James Fox, Deep Roy, Christopher Lee, Adam Godley, Franziska Troegner, Annasophia Robb, Julia Winter, Jordon Fry, Philip Wiegratz, Liz Smith, Eileen Essell, Nitin Chandra Ganatra, Shelley Conn, Chris Cresswell, Philip Philmar, Harry Taylor, Francesca Hunt.
Fotografia: Philippe Rousselot. Montagem: Chris Lebenzon. Direção de Arte: Alex McDowell. Música: Danny Elfman, com canções compostas por Roald Dahl musicadas por Elfman. Figurinos: Gabriella Pescucci. Produção: Brad Grey e Richard D. Zanuck. Site Oficial: A Fantástica Fábrica de Chocolate.

nas picapes: Lady Jane, The Rolling Stones.

A comédia em golpes certeiros



Sempre me impressionou bastante a harmonia que os filmes de kung fu conseguem entre ação e comédia. Os longas estrelados por Bruce Lee, por exemplo, têm um timing invejável que supera muitas vezes alguns dos comediantes atuais do cinema norte-americano. Mas este Kung-fusão vai além desse talento natural. O filme de Stephen Chow é um pastiche de referências, que vão desde aos westerns spaghetti ao desenho do Papaléguas. Na sua mistura saudável, Chow consegue manter um tom despretensioso que dá imenso charme ao filme. Incorpora os efeitos visuais absurdos como extensão natural da trama e cria personagens de fácil identificação (alguns, por sinal, bem originais como o alfaiate ou menino com a bunda-de-fora). Mas quem domina as cenas em que aparece é a "senhora proprietária", que homenageia algumas grandes mamas. A fórmula de Chow funciona bem demais, mas tem data de validade. A certo ponto, o filme parece longo e, apesar de manter fôlego até o final (ecos de Chaplin por ali), termina sem a empolgação inicial. Mas não deixa de ser uma pérola.

KUNG-FUSÃO
Gong Fu, China, 2004.
Direção: Stephen Chow.
Roteiro: Stephen Chow, Tsang Kan Cheong e Chan Man Keung.
Elenco: Stephen Chow, Leung Siu Lung, Yuen Wah, Yuen Qiu, Dong Zhi Hua, Chiu Chi Ling, Xing Yu, Huang Sheng Yi, Feng Xiao Gang, Chan Kwok Kwan, Lam Tze Chung, Tin Kai Man, Lam Suet, Jia Kang Xi, Fung Hak On.
Fotografia: Poon Hang Sang. Montagem: Angie Lam. Direção de Arte: Oliver Wong. Música: Raymond Wong. Figurinos: Shirley Chan. Produção: Stephen Chow, Chui Po Chu e Jeff Lau. Site Oficial: Kung-Fusão.

nas picapes: Starman, Seu Jorge.

22 de jul. de 2005

Um oceano interior



Existem cineastas que precisam delimitar seus universos para trabalhar. Mais que isso, precisam construi-los, moldá-los para que eles sirvam a seus fins. O universo onde acontecem os filmes de Wes Anderson está em algum lugar melancólico entre a nostalgia e a comédia. Anderson usa cenários, figurinos e música para compor o mosaico onde irá lançar seus personagens. À medida que seu prestígio aumenta, o cineasta se permite mais. A Vida Marinha com Steve Zissou radicaliza as experiências de seus filmes anteriores. Não abre concessões. O que se restringia a um ambiente colegial (Três é Demais, 1999) ou familiar (Os Excêntricos Tenenbaums, 2001) ganha dimensões multiplicadas neste novo trabalho. Em Zissou, o mundo inteiro é filtrado aos olhos do autor.

Somente neste mundo inteiro multicolorido, estilizado, triste, os dramas de Steve Zissou conseguem tomar forma mais precisa. Sem a preocupação com verossimilhança e plausibilidade (que talvez sejam temerosas para o diretor), é que Anderson pode dissertar - mais uma vez - sobre orfandade, perdão e família, seus temas mais caros. Zissou descobre o seu filho perdido (?) havia 30 anos e se retira: Life on Mars?, de David Bowie, é a trilha sonora para um momento de isolamento, reflexão. A família inventada pelo mergulhador havia ganho um integrante mais legítimo do que todos os outros. E a chegada dele faz Zissou questionar a relevância de sua vida. E faz alguns acharem que concluíram suas missões.

É curioso perceber que Bill Murray esteve nos três últimos filmes de Anderson, mas só agora ganha um protagonista. E Murray talvez seja quem melhor encarna o espírito desse vácuo onde o diretor situa seu universo. Ele tem a velocidade, os trejeitos, a essência dos filmes de Wes Anderson. Sua interpretação aqui está no limite entre o dramático e o cômico, o realista e o fantasioso, o comum e o exagerado. E é dessa indefinição que Murray se apropria para inventar seu Zissou. A brincadeira com essas fronteiras está por toda parte, desde a concepção do navio (a cena do passeio pelos cômodos é particularmente muito boa) até as intervenções de Seu Jorge, cantando Bowies em português. O absurdo é subterfúgio para Anderson se esconder. Algo genial é a utilização dos efeitos visuais para reforçar a abstração.

A velocidade alterada e o estabelecimento de uma aura fantástica limitam e muito o alcance do filme sobre a platéia. Anderson filma para poucos e não está preocupado com isso. Trabalha na criação de uma narrativa própria: aqui ele monta seu filme como diário de viagem (assim como Tenenbaums assumia forma de livro). É capaz de trocar o tom a toda hora (a cena final dos invasores no navio é quase uma homenagem àquelas comédias malucas dos anos 60), e é um ás em congelar a ação para criar momentos onde assume sua tristeza e pede presença. Assim como Bill Murray (e boa parte do elenco, em escala menor) se alimenta desse campo estranho e completamente novo para se criar dentro do filme, é aí que Anderson conquista seus não muitos espectadores. A identificação surge de algo muito pouco provável, mas extremamente entendível. Estranho, né?

A VIDA MARINHA COM STEVE ZISSOU
The Life Acquatic with Steve Zissou, Estados Unidos, 2004.
Direção: Wes Anderson.
Roteiro: Wes Anderson e Noah Baumbach.
Elenco: Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Anjelica Huston, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Michael Gambon, Noah Taylor, Burd Cort, Seu Jorge, Robyn Cohen, Waris Ahluwalia, Niels Koizumi, Pawel Wdowczak, Seymour Cassel.
Fotografia: Robert D. Yeoman. Montagem: David Moritz e Daniel R. Padgett. Direção de Arte: Mark Friedberg. Música: Mark Mothersbaugh. Figurinos: Milena Canonero. Produção: Wes Anderson, Barry Mendel e Scott Rudin. Site Oficial: A Vida Marinha com Steve Zissou.

nas picapes: Here's To You, Joan Baez e Ennio Morricone.

21 de jul. de 2005



Alfie, o Sedutor (2004), de Charles Shyer.

Fica bem aquém do original com Michael Caine, mas não chega a ser ruim. O recurso de conversar com o espectador não funciona mais tão bem quanto no filme dos anos 60. Jude Law está bem, mas a comparação com Caine, inevitável, deixa sua performance menos atraente. As garotas de Alfie estão todas muito bem, sem destaques. Mas Alfie, mesmo metrossexualizado para o século 21, não encontra mais muito espaço. Parece velho, ultrapassado, gasto.



O Assalto (2001), de David Mamet.

Funciona menos como filme de golpe e mais com estudo comportamental, área de atuação bem cara ao diretor. A resolução da trama recorre a reviravoltas cansativas e pouco satisfatórias. O que sobra é a relação entre Gene Hackman e seu grupo e entre Hackman e o mundo. Os diálogos são bons, o roteiro busca explorar situações que raramente surgem em filmes do gênero.



O Galante Mr. Deeds (1936), de Frank Capra.

Um Capra bem clássico: homem simples contra o mundo feroz. Gary Cooper, irrepreensível, entre a doçura e simplicidade. O cara interpretava com o olhar; impressionante. Capra constitui uma fábula moderna (para a época), situando historicamente seu filme (que se passa logo após o crack da bolsa de Nova York). O diretor tem uma capacidade única para dar uma aura mágica a suas histórias de exaltação pessoal. É a mão do cineasta que transforma isso aqui num belo filme.

20 de jul. de 2005

A luz é para todos



De uns tempos para cá, o documentário mudou de formato. Ganhou um tom mais opinativo e não está mais preso à narração em terceira pessoa que, de certa forma, reduzia sua capacidade de discurso. A Pessoa é para o que Nasce, longa de estréia de Roberto Berliner, segue essa nova fórmula, mas distorce a manipulação que faz da história. Ao contrário de um Michael Moore, por exemplo, que entrega suas próprias leituras para o espectador ou de um Paulo Sacramento, que se despe da condição de autor solitário para partilhá-la com seus próprios personagens, Berliner conduz o filme a partir da intervenção.

Em todo momento, ele interage com as irmãs Maria, Regina e Conceição, as "ceguinhas de Campina Grande", ressaltando a existência de um filme em construção. É o impacto disso que dá foco ao documentário. Como conseqüência, ele perde ares de verdade absoluta e assume sua condição parcial, de experiência compartilhada. Por isso, na melhor cena do filme, quando o próprio diretor entra em quadro para explicar a diferença e entre amor e amizade, A Pessoa é para o que Nasce assuma uma postura tão pouco definitiva e, por isso, próxima.

Apesar de trabalhar com personagens tão magnéticas, Berliner as usa, mas não as explora para vender sua cria. O único momento que parece invasivo, desnecessário e gratuito é o da nudez. Sem sentido. Mas o filme vai bem além disso. Parece bem honesto ao impor sua interferência. O envolvimento emocional da equipe com as protagonistas cria uma intimidade rara.

A PESSOA É PARA O QUE NASCE
A Pessoa é para o que Nasce, Brasil, 2005.
Direção: Robert Berliner.
Roteiro: Maurício Lissovsky.
Elenco: Maria Barbosa, Regina Barbosa, Conceição Barbosa, Dalva Barbosa, Gilberto Gil, Roberto Berlinger.
Fotografia: Jacques Cheuiche. Montagem: Leonardo Domingues. Música: Hermeto Pascoal. Produção: Jacques Cheuiche e Leonardo Domingues. Site Oficial: A Pessoa é para o que Nasce.



MADAGASCAR
Madagascar, Estados Unidos, 2005.
Direção: Eric Darnell e Tim McGrath.
Até a cena da partida dos bichos no navio, sinceramente achava que o filme estava sendo atacado em excesso, mas, a partir daí, tudo mudou. As boas idéias (na verdade, boas piadas isoladas) simplesmente desaparecem depois que os quatro protagonistas chegam á ilha. Na primeira parte, há momentos engraçados, como a referência a Os Embalos de Sábado à Noite (John Badham, 1977), a participação dos pingüins e toda a seqüência na estação central de Nova York. Depois, ganha um ritmo ruim, com gags pouco criativas e se revela o maior problema: qual era a história, afinal?

nas picapes: Silent Sigh, Badly Drawn Boy.

19 de jul. de 2005



O Clã das Adagas Voadoras (2004), de Zhang Yimou.

Rever o filme me fez gostar menos dele. Os maneirismos do roteiro são os mesmos do fake Herói e a abstração visual tenta escondê-los. A fotografia é, sim, bonita, mas apela tanto para efeitos visuais incríveis, no sentido literal da palavra, que perde sua força. Milimetricamente calculado, provoca certa sensação de desconforto. Caiu muito. A musiquinha cantada por Zhang Ziyi já tem vaga nos meus votos para o Alfred, mas sua versão em inglês, com cantora lírica e tudo, ficou bem breguinha.



Doze Homens e Outro Segredo (2004), de Steven Soderbergh.

Muito melhor do que o primeiro quando se olha para os diálogos, que parecem saídos de um filme de Tarantino, misturando referências de cultura pop. Todos os atores têm um timing invejável e Julia Roberts se sai muito bem numa autoparódia deliciosa. A trilha sonora é especial, boa e bem empregada. A explicação final, em forma de reviravolta, é que deixa alguns buracos chatos, mas o filme é muito bom.



Horizonte Perdido (1937), de Frank Capra.

Parece ser o pior filme de Capra, talvez por ser o mais pretensioso. Na ânsia de criticar (ou não?) um modelo autoritário disfarçado de democracia plena, o diretor se afastou de muitos de seus pequenos clichês que resultaram muitas vezes em filmes especiais. Não há espaço para a comédia, que sempre foi fundamental para Capra compor suas operetas de exaltação pessoal, e também não há timing. O filme, bem longo, parece não querer acabar, mas deveria. A cópia tenta restaurar a metragem original do filme, 132 minutos, mas como muita coisa já havia sido perdida, optou-se por cobrir trechos do aúdio original com imagens congeladas. Estranho já que muitas destas cenas eram dispensáveis.



O Milagre de Berna (2004), de Sonke Wortmann.

Bem bonitinho apesar de não ir muito além disso. Uma cena muito boa é a que uma pelada jogada por meninos é mostrada com o áudio de uma partida oficial da seleção alemã durante a copa do mundo. Não sei o que há de real na história do filme, mas ela funciona bem apesar do clima de redenção do final. A direção de arte e a trilha são o melhor.



Sob o Domínio do Mal (2004), de Jonathan Demme.

Demme atualizou a trama do filme de 1962 e, apesar de não ter o imenso talento de John Frankenheimer, conseguiu reprisar o clima claustrofóbico e perturbado do original. Falou-se muita da atuação de Meryl Streep, muito bem mesmo, mas Liev Schreiber, em grande momento, e o próprio Denzel Washington, desconstruindo sua imagem de homem forte, também merecem crédito.

18 de jul. de 2005

À procura do caminho



Os inconformados vagam pelo mundo buscando um lugar, uma pessoa, um motivo. Em suas caminhadas, esbarram em verdades provisórias, ninhos temporários, alentos pouco duradouros. Mas seriam eles os que estão certos? Os que não se satisfazem com os imediatismos, as prisões formais, as molduras? Os que - a despeito de outros que se apegam a profissões, cidades, famílias para inventar suas calmarias - exigem os porquês, indagam e partem pelo mundo, num processo que não raro é visto como fuga, irresponsabilidade, e, por vezes, algum grau de insanidade ainda que temporária? Da tempestade à bonança, é a tempestade que deixa suas marcas. Questionar pode ser um ato de extrema solidão. Que desperta pouca - ou nenhuma - compreensão.

Clean, meu segundo contato com o cinema de Olivier Assayas - o primeiro foi Destinos Sentimentais (2001), me deixou em estado de choque. Choque talvez pela identificação. Não com uma história pessoal, mas com um processo de isolamento que não parece, mas que conversa com um pequeno momento particular. No filme do francês, o cotidiano se movimenta para revelar para a personagem de Maggie Cheung a solidão que a acompanha e que era camuflada por conformismos e simplificações. Assayas faz o sentimento brotar da falta, da remoção da protagonista de um contexto que lhe trazia mimo, mas nunca abre muito espaço para a nostalgia, recurso extremamente comum e desgastado.

A belíssima trilha sonora de Brian Eno e o bom trabalho de fotografia, que nunca exagera da câmera trêmula, ajudam a compor o cenário melancólico proposto. A natureza errante do filme, que parece propor o desenraizamento como forma de alcançar um estado mais puro, mais perto do que é real, dá a Clean uma força poética embrutecida. As cenas têm a medida exata, não duram mais do que o diretor precisa para dar seu recado. Nesse sentido, há um extremamente feliz encontro entre roteiro e montagem, onde os fades interrompem diálogos que poderiam ganhar mais verborragia e, assim, garantir mais placidez ao desenrolar da história, justamente o que Assayas rejeita. Seu foco é a inquietude de Maggie Cheung, muito bem no papel, opção tão evidente que não se estabelece pólos de conflito. O campo de batalha é interior. A busca, solitária. Existe algo de muito mágico em se ver uma mulher decidindo ser mãe.

CLEAN
Clean, França/Grã-Bretanha/Canadá, 2004.
Direção: Olivier Assayas.
Roteiro: Olivier Assayas, Malachy Martin e Sarah Perry.
Elenco: Maggie Cheung, Nick Nolte, Béatrice Dalle, Jeanne Balibar, Don McKellar, Martha Henry, James Johnston, James Dennis, Rémi Martin, Laetitia Spigarelli, David Salsedo, David Roback, Mary Moulds.
Fotografia: Éric Gaultier. Montagem: Luc Barnier. Direção de Arte: William Fleming e François-Renaud Labarthe. Música: Brian Eno. Figurinos: Anaïs Romand. Produção: Niv Fichman, Xavier Giannoli, Xavier Marchand, Sarah Perry e Edouard Weil.

nas picapes: These Days, Nico.

17 de jul. de 2005

Os melhores e os piores do semestre.
Online no blogue da liga.



O Amigo Oculto (2005), de John Polson.

O filme é até bem realizadinho até certo ponto (tem ótima trilha do John Ottman), mas em sua meia hora final vira uma coleção de lugares comuns de dar enjôo. O último dos finais alternativos é muito melhor do que emplacou. Apesar de ficarem atacando a Dakota Fanning, a menina é mesmo muito boa, mas, alguém me explique, o que fizeram do Robert De Niro?



Desde que Otar Partiu (2003), de Julie Bertucelli.

Uma hora e quarenta de filme de mulher para mulher, Marisa. Faz aquela linha várias gerações, que sempre rende aqueles draminhas meia-boca norte-americanos. Aqui, o resultado só é melhor porque os clichês europeus sempre são mais interessantes e menos gastos, mas não há o mínimo conflito. A solução final, parte mais movimentada do filme, é a melhor coisa.



Os Esquecidos, de Joseph Ruben.

Julianne Moore sempre linda e boa atriz. A premissa era muito boa, mas era só a premissa. Não é ruim, mas fica a sensação de incompleto, de golpe onde nos prometem muito e não nos entregam nada. Funcionaria muito melhor se fosse o longa-metragem piloto de uma série de TV.



Faz de Conta que Eu Não Estou Aqui, de Olivier Jahan.

Os franceses são impressionantes: fazem tudo o que eles sentem, vivem ou sofrem por parecer muito mais denso do que no resto do mundo. Há ecos de Não Amarás (Krzysztóf Kieslowski, 1988), numa trama simplérrima sobre a puberdade e seus conflitos. Nada demais.



O Grito, de Takashi Shimizu.

Parece demais com O Chamado ou Ringu. Tem até a doida do cabelão - e ainda é refilmagem, esse povo não tem vergonha? Engraçado como tem pouco japonês em Tóquio.



O Massacre da Serra Elétrica (2005), de Marcus Nispel.

Exercício de sadismo desnecessário, filme que tenta impor a violência como gênero cinematográfico. Lamentável.



A Trapaça (1955), de Federico Fellini.

Um filme que não chega a lugar nenhum. Se se pretende como denúncia de onde a corrupção da alma pode chegar, fica pelo meio do caminho. Se é apenas retrato, morre na falta do que dizer. Fellini se esquiva de qualquer posicionamento e aqui, me desculpem os suíços, era necessário. Sobra a maravilhosa (mais uma) trilha do Nino Rota, um dos maiores de sempre.

13 de jul. de 2005



Elektra (2005), de Rob Bowman.

Elektra é literamente uma tragédia, que começa com a transformação da ninja assassina numa versão não-cômica de uma das panteras do cinema. Jennifer Garner pode ter um bundão (e o utiliza com eficiência para rebolar em todas as cenas onde tem que dar uma andadinha), mas as formas da moça não a habilitam para o papel, que merecia uma atriz de verdade. O texto, feito a seis mãos, é fraquíssimo: não apresenta a personagem (é preciso ter um conhecimento bem razoável das HQs para ter alguma noção do que está acontecendo), não consegue dar tempo para desenvolver as situações (tudo acontece rápido demais e, por isso mesmo, parece na velocidade errada), e os lugares comuns vem em ondas como o mar. O visual é o Vinólia 2005 (cabelos ao vento, slow motion e montagem apressadinha). O conceito da personagem parece ter virado texto de livro de auto-ajuda do Paulo Coelho.



O Filho de Chucky (2005), de Don Mancini.

Apesar de o espírito trash tomar conta do filme, é surpreendente que um longa assim tenha (boas) referências e algumas belas idéias originais. Primeiro, há Jennifer Tilly num corajoso papel que poderia virar ponto contra na sua carreira. A metalinguagem proveniente dessa brincadeira consegue momentos engraçados e inteligentes. Depois, há pequenas alusões a Psicose (Alfred Hitchcock, 1960) e uma homenagem curiosa a Edward D. Wood Jr, não só nos nomes Glen/Glenda, mas em determinada característica da personagem-título. Por fim, a amoralidade agnóstica do filme permite deliciosos pecados envolvendo o santo nome da Virgem Maria. Não chega a ser bom, mas é bem divertido.

10 de jul. de 2005

Site de curtas

Minha queridíssima amiga Paulinha Góes, menina linda próxima da perfeição, que há alguns belos anos se bandeou para os lados de Londres e deixou muita gente na saudade, criou um belo projeto que eu ajudo a divulgar aqui. O site www.hurluberlu.com é um espaço para se assistir curtas-metragens feitos all around the world de graça. A barreira da língua não existe: há legendas em português, inglês, francês, alemão, espanhol e italiano para todos os filmes. E quem quiser pode submeter o próprio filme ao site e ganhar divulgação global.

O Hurluberlu tem uma comunidade no Orkut.

7 de jul. de 2005

Nem tão fabulosos assim...



As deturpações históricas nas adaptações cinematográficas de heróis de quadrinhos já nem me incomodam tanto. É preciso contar uma história e a maioria delas já é bem grande, então, "vamos condensá-las". E as mudanças no passado do Quarteto Fantástico são justamente o menor dos problemas do filme dirigido por Tim Story. Para começar, a própria escolha do diretor para comandar o grupo é bastante questionável se havia gente como Steven Soderbergh e Sean Astin no páreo, ainda mais depois do fracasso de Táxi, o filme anterior de Story.

Assim como Demolidor, este filme tem, digamos, boas intenções (apesar de o diretor se mostrar bem menos apaixonado pelo universo das HQs que Mark Steven Johnson, que era fraco mas explorava um terreno que conhecia. Story não tem mão para fazer um filme de heróis: tenta explorar as relações familiares, mas termina numa conversa de comadres em boa parte do filme. O texto é pouquíssimo inspirado, a não ser na primeira meia hora de piadas do Tocha Humana, que ganhou a melhor interpretação do filme.

Chris Evans, que acelera o mesmo perfil de sua personagem no ótimo Celular, está bem à vontade com seu Johnny Storm. O Coisa de Michael Chiklis também não faz feio, mas a dupla Sr. Fantástico + Mulher Invisível ganhou performances assombrosas e o Dr. Destino foi desfigurado pelo canastrão que o interpreta. Se o elenco não ajuda, o que emperra ainda mais o filme é a falta de impacto: não há conflito, não há subtramas (a do Coisa é apenas pincelada) e o roteiro segue uma linearidade tão conformada e preguiçosa que chega a irritar.

QUARTETO FANTÁSTICO
Fantastic Four, Estados Unidos/Alemanha, 2005.
Direção: Tim Story.
Roteiro: Michael France e Mark Frost, a partir dos personagens criados por Stan Lee e Jack Kirby para a Marvel Comics.
Elenco: Ioan Gruffudd, Michael Chiklis, Jessica Alba, Chris Evans, Julian McMahon, Kerry Washington, Mark S. Allen, Laurie Holden, David Parker, Patrick Stoner, Tony Toscano, Douglas Weston, Stan Lee.
Fotografia: Oliver Wood. Montagem: William Hoy. Direção de Arte: Bill Boes. Música: John Ottman. Figurinos: Jose Fernandez e Wendy Partridge. Produção: Avi Arad, Michael Barnathan, Chris Columbus, Bernd Eichinger e Ralph Winter. Site Oficial: Quarteto Fantástico.

nas picapes:
Who Loves The Sun, The Velvet Underground
Dry The Rain, The Beta Band.

6 de jul. de 2005

Gosto dos Outros: Guga Valente

Não são os filmes que mais gostei de assistir, nem os que considero os melhores de todos. São os que talvez sejam essenciais e os que com certeza construíram minha história enquanto cinéfilo. Apenas aqueles nos quais pensei no momento em que li a frase "sua lista de melhores". Por isso há filmes que assisti pela primeira vez há dois anos (e para a minha história enquanto cinéfilo isso é bastante tempo, acreditem) e outros que vi há pouco mais de um mês.



Era uma Vez na América (1983), de Sergio Leone.
Porque bastava aquela seqüência onde o garoto hesita entre o doce e a prostituta, que Leone filma como se fosse um duelo de western, para ser uma obra-prima. Mas há mais alguns 220 minutos...

Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick.
O filme que me fez passar a gostar de leite - ou que pelo menos me fez sentir vontade de tomar.

Manhattan (1979), de Woody Allen.
O preto-e-branco insuperável de Allen.

O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin.
Complicado escolher um Chaplin. O Garoto é o que mais me emociona, e Tempos Modernos talvez seja o mais representativo. Mas acho que esse sintetiza, com perfeição e simplicidade incríveis, um monte de coisas que um monte de outros filmes tentaram - e ainda hoje tentam - dizer, mas nunca realmente conseguem como Chaplin o fez.

Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut.
Correr, correr, correr.

Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock.
Não é reviravolta, é porque, em filmes de Hitchcock, a gente só acha. E achamos que temos certeza por duas vezes aqui. O motivo por não ser Janela Indiscreta, ou O Homem Que Sabia Demais, ou...

Uma Mulher é uma Mulher (1961), de Jean-Luc Godard.
O cinema em cheque e o feminismo. O feminismo e o cinema em cheque. O feminismo em cheque e o cinema. Não necessariamente em alguma ordem.

Faça a Coisa Certa (1989), de Spike Lee.
As cores, o calor, o vidro quebrando. Filme que desperta paixão e revolta em intensidade máxima.

A Felicidade Não se Compra (1946), de Frank Capra.
Sou uma criança ingênua.

Magnólia (1999), de Paul Thomas Anderson.
Algumas pessoas quebram copos, outras viram mesas, algumas se atiram da janela de algum andar alto. Respeito essas pessoas; mas, no meu caso, basta assistir alguma cena aleatória de Magnólia.



microentrevista

Você tem talento e facilidade para escrever, o que te fez escolher os filmes?

Como não sei bem, acho que uma resposta fácil e óbvia seria dizer que foram eles a me escolher, e não o contrário. Mas a verdade é que não sei bem, mesmo. Acho que foi tudo um processo gradativo: comecei simplesmente assistindo, depois fui prestando mais atenção aos detalhes, lendo a respeito... e quando me dei conta, estava escrevendo. Não por talento para a coisa (facilidade talvez, afinal é só começar com uma letra maiúscula e terminar com um ponto final), mas como que para tentar entender melhor o que aquelas imagens estavam querendo me dizer.

Qual foi seu primeiro filme no cinema?

Segundo minha mãe, Bambi. E ela sempre faz questão de dizer que eu chorei e queria ir embora antes do fim da sessão.

O que mais te atrai quando você olha para um filme?

Provavelmente o desenho que o conjunto de imagens forma na tela.

Um gênio incompreendido?

Ah, muito difícil. Ainda não vi tantos filmes para eleger como gênio alguém que o resto do mundo não compreende, acho.

Um cara superestimado?

Seria mais fácil se eu conseguisse pensar em atores ou roteiristas ou qualquer outra coisa, mas só me vêm à cabeça diretores. E destes com certeza também não vi filmes suficientes para classificar dessa maneira, mas vá lá: por O Sétimo Selo, Ingmar Bergman e por Os Contos de Canterbury, Pasolini.



Guga Valente, Guga é apelido porque o nome é feio, 15 anos. CRIANÇA, primeiro ano do Ensino Médio na escola (ainda). Nasceu e mora no Rio. Não sabe o que fazer na faculdade, mas está em dúvida entre Jornalismo, Publicidade, Relações Internacionais ou Direito. Cara decidido.

5 de jul. de 2005

Guga Valente, carioca, 15 anos.
Amanhã no Gosto dos Outros.

E não se esqueçam de votar nos melhores do mês e do semestre.

4 de jul. de 2005

Brincando de metralhadora giratória



Primeiro, há o enorme mérito de resgatar os marionetes no cinema (quem quiser me presentear com um bonequinho do ditador coreano King Jong Il vai ser muito bem recebido). Depois, há a completa amoralidade em zoar do medo do terrorismo e de transformar os atores mais politicamente engajados de Hollywood em psicopatazinhos manipulados por uma mente maléfica. Matt Damon! Trey Parker, o criador do South Park, é possivelmente o mais ácido pensador da América, posto que Michael Moore gostaria muito de ocupar. Por sinal, o destino final do senhor Moore neste longa-metragem é uma das melhores cenas dos últimos tempos.

A cada cena, Parker e sua equipe de megacombatentes da liberdade atiram para algum lado. Há pelo menos meia dúzia de seqüências memoráveis (o sexo, a morte do namorado de Lisa logo no início, as várias cenas musicais com canções desmioladas e hilárias de Marc Shaiman, que foi inacreditavelmente demitido pela Paramount), mas o excesso de piadas atrapalha o desfecho. Parker e seus parceiros de roteiro se concentram tanto na esculhambação que fazem do que deveria ser o clímax do filme uma bobagem escatológica que não resolve nada do que o filme propõe. Uma pena... porque Team America tinha tudo para ser inesquecível.

TEAM AMERICA - DETONANDO O MUNDO
Team America: World Police, Estados Unidos, 2004.
Direção: Trey Parker.
Roteiro: Trey Parker, Matt Stone e Pam Brady.
Elenco: Trey Parker, Matt Stone, Kristen Miller, Masasa, Daran Norris, Phil Hendrie, Maurice LaMarche, Chelsea Magritte, Jeremy Shada, Fred Tatasciore.
Fotografia: Bill Pope. Direção de Arte: Jim Dultz. Música: Harry Gregson-Williams. Montagem: Tom Vogt. Figurinos: Karen Patch. Produção: Pam Brady, Trey Parker e Matt Stone. Site Oficial: Team America.

nas picapes: Kyle's Mom is a Bitch, Eric Cartman.

1 de jul. de 2005

RANKING PRIMEIRO SEMESTRE



melhores do ano

1 (N) Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg
2 (1) Mar Adentro, de Alejandro Amenábar
3 (2) Ninguém Pode Saber, de Hirokazu Kore-eda
4 (3) O Aviador, de Martin Scorsese
5 (4) Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira
6 (N) Inconscientes, de Joaquín Oristrell.
7 (5) Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith, de George Lucas
8 (N) Batman Begins, de Christopher Nolan
9 (6) Cabra-Cega, de Toni Venturi
10 (7) Old Boy, de Par Chan-Wook

melhores comentados: impressionante para mim mesmo o tanto que eu gostei de Guerra dos Mundos. Já Inconcientes, uma bobagem declarada, foi a maior surpresa do ano até agora, delícia de assistir. O novo filme do Batman entrou na lista, mais parece cada vez mais fraco na me´mória, apesar de ser bom.



piores do ano

1 (1) Closer - Perto Demais, de Mike Nichols
2 (2) Contra a Parede, de Fatih Akin
3 (3) Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Foster
4 (N) Jogos Mortais, de James Wan.
5 (N) Blade: Trinity, de David S. Goyer.
6 (4) Cruzada, de Ridley Scott
7 (5) O Fantasma da Ópera, de Joel Schumacher
8 (6) O Chamado 2, de Hideo Nakata
9 (7) Eterno Amor, de Jean-Pierre Jeunet
10 (8) Herói, de Zhang Yimou

piores comentados: a cada dia, Closer me parece pior. Falso rock'n'roll. Jogos Mortais, que eu só fui ver há alguns dias, não subiu mais porque esbarrou na barreira do filme mais fake do ano, assinado por Marc Foster. A outra banana de dinamite, Blade: Trinity, também disse a que veio.

P.S.: ainda não pude ver filmes importantes, que podem entrar na lista de melhores, como The Brown Bunny, Clean e A Vida Marinha com Steve Zissou.

A Liga dos Blogues Cinematográficos já foi convocada por email para eleger os melhores e os piores deste primeiro semestre.


 
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