[f i l m e s d o c h i c o]

19 de fev. de 2004

ESCOLA DE ROCK

Em Salvador, existe um lugar chamado Calypso. Foi o primeiro bar que eu conheci desde que vim morar aqui. Talvez seja o lugar mais rock'n'roll do mundo. Um sótão apertado onde você tem que atravessar a banda para comprar sua cerveja. O mesmo trajeto conduz ao banheiro. Só vai ao Calypso quem gosta de rock. O lugar é intragável para quem acha que Maria Rita fez o disco do ano ou que a música eletrônica deixou tudo para trás. O Calypso vai fechar. A comunidade roqueira de Salvador está bem triste. Porque aquele velho espírito livre do amante do rock talvez não tenha mais espaço no mundo de hoje. Na verdade, nem sei muito bem porque eu escrevi isso tudo... Eu andei pensando muito e descobri que eu não sei escrever sobre Escola de Rock. Talvez porque eu não saiba me expressar muito bem sobre as coisas de que eu gosto muito. E eu gosto muito deste filme de amor.

Escola de Rock é um filme de amor, amor pela música. Amor maior que tudo, como devem ser os amores. O longa de Richard Linklater, do excelente Antes do Amanhecer (95), adota todos os clichês dos filmes de escola e dos filmes de rock, muitas vezes é óbvio, mas nunca, absolutamente nunca, deixa de ser um filme delicioso. A cena mais bonita é quando o personagem de Jack Black, que montou uma banda-mirim com fins estritamente egoístas, começa a perceber que as crianças estão se envolvendo de verdade com a coisa que ele mais ama. A partir daí, sua função na história é de professor mesmo. De ensinar rock'n'roll para os garotos. E não existe nada mais nobre que isso: ensinar o que se ama. É bobo isso que eu escrevi. Esse texto é provavelmente o mais pobre que eu já fiz, mas eu não sei fazer de outro jeito.

Linklater obedece todas as regras criadas por filmes como Ao Mestre Com Carinho (67), com carinho, mas nunca resvala na falta de originalidade justamente porque aposta nesse fascínio pela música. O roteiro de Mark White, o ator que interpreta o melhor amigo de Black, transcende os clichês criando cenas que não deixam nada a dever a clássicos do filmes sobre rock, como Quase Famosos (00), o melhor de todos. Não vou nem falar sobre a performance perfeita de Jack Black e de seus encantadores pupilos. Muito menos das canções da trilha sonora, entre elas as compostas para o filme. Só posso dizer que Escola de Rock me deixou bem emocionado em algumas muitas cenas. Cenas em que a gente percebe que aquilo que a gente ama tanto ainda pode tocar gente que está começando a conhecer o mundo. Nada como um solo de guitarra. Nada como ouvir David Bowie quietinho no quarto, com as luzes apagadas, e uma vontade danada de chorar.

Escola de Rock
The School of Rock, Estados Unidos, 2003
Direção: Richard Linklater.
Elenco: Jack Black, Joan Cusack, Mike White, Sarah Silverman, Joey Gaydos Jr., Miranda Cosgrove, Kevin Alexander Clark, Robert Tsai, Maryam Hassan, Rebecca Brown, Caitlin Hale, Aleisha Allen, Brian Falduto, Zachary Infante, James Hosey, Angelo Massagli, Cole Hawkins, Veronica Afflerbach, Jordan-Claire Green, Adam Pascal, Lucas Papaelias, Chris Stack, Lucas Babin, Jaclyn Neidenthal.
Roteiro: Mike White. Produção: Scott Rudin. Fotografia: Rogier Stoffers. Edição: Sandra Adair. Música: Craig Wedren. Direção de Arte: Jeremy Conway. Figurinos: Karen Patch. Canções: Jack Black, Warren Fitzgerald e Mike White.

COLD MOUNTAIN

Existe algo de nobre em louvar o velho. Anthony Minghella sabe bem disso. Ganhou o Oscar ao criar um épico disfarçado de filme independente em 1996 (O Paciente Inglês, 96). Sete anos depois, faz o mesmo, em proporções ainda maiores. Cold Mountain é uma história clássica: homem se apaixona por mulher e, antes de qualquer tipo de proximidade maior, parte para uma guerra que os separa por anos e que culmina num exaustivo caminho de volta. Paralelamente a isso, muito sofrimento da amada. A estrutura, mais que norte-americana, é greco-romana. É a essência da literatura romântica. Retratar isso nos dias de hoje não é nenhum pecado. E Anthony Minghella não teme sua odisséia e faz de tudo para que o filme seja o mais clássico possível, no que isso tem de bom e de ruim.

Se pretende ser o ...E O Vento Levou (39) dos tempos modernos, o filme do diretor peca porque os desenhos dos personagens de Jude Law e, sobretudo, Nicole Kidman, são pobres. Eles são lindos, bons e puros. Os melhores, os mais belos, aqueles que têm que se reencontrar. Rhett Buttler não tinha um caráter tão positivo e Scarlett O´Hara estava bem livre das rédeas do estereótipo de mocinha da sociedade burguesa norte-americana. Em 1939, os personagens eram mais modernos do que hoje. Nada como o tempo para mostrar as feridas. Minghella queria ser clássico. Conseguiu. O problema é que, se ele queria ser velho, conseguiu êxito maior ainda. Cold Mountain não é um filme ruim, mas não é um filme perdido no tempo.

O Tiago foi preciso quando disse que mostrar a periferia da guerra civil norte-americana é o maior trunfo do filme. Vidas devastadas, famílias destruídas são o que Cold Mountain traz de novo para o cinema. Um filme precisa contribuir. Ou se perder. A grande cena do longa é aquela em que o personagem de Jude Law se deita ao lado de Natalie Portman. O conforto mais imediato, a lágrima mais sincera. Natalie é uma grande atriz. Atriz escondida, mas grande. Assim como Jude Law, perfeito num papel cheio de limites. E, se Nicole Kidman, repete maneirismos e faz um pastiche de tudo que já interpretou no cinema num personagem sem encanto, Renée Zellweger salta os clichês de uma performance a princípio caricata e mostra porque é uma grande atriz. Uma imensa atriz. A lista do Oscar parece que foi bem justa neste caso. No fim, Cold Mountain fica no banco. É bom, mas não tem talento suficiente para ser da seleção principal.

Cold Mountain
Cold Mountain, Estados Unidos, 2003
Direção e Roteiro: Anthony Minghella, baseado no romance de Charles Frazier.
Elenco: Jude Law, Nicole Kidman, Renée Zellweger, Brian Gleeson, Jack White, Giovanni Ribisi, Donald Sutherland, Kathy Baker, Philip Seymour Hoffman, Natalie Portman, Jena Malone, Eileen Atkins, Ray Winstone, James Gammon, Charlie Hunnam, Melora Walters, Lucas Black, Cillian Murphy.
Produção: Albert Berger, William Horberg, Syney Pollack e Ron Yerxa. Fotografia: John Seale. Edição: Walter Murch. Música: Gabriel Yared. Direção de Arte: Dante Ferretti. Figurinos: Carlo Poggioli e Ann Roth. Canções: Jack White, T-Bone Burnett, Elvis Costello e Sting.

9 de fev. de 2004

TERRA DE SONHOS

Terra de Sonhos é inspirado na história real da família Sheridan. O roteiro creditado ao diretor e suas duas filhas dá uma idéia do quão pessoal é o projeto. Talvez seja justamente por causa desse envolvimento emocional impossível de escapar que o filme não seja tão bom quanto poderia ser. O exôdo de pai, mãe e duas filhas para os Estados Unidos tem um quê de filme social, de denúncia e de história pequena, particular. Mas o texto, que cria algumas cenas bonitas, nunca é uniforme e sua irregularidade desequilibra todo o resto. Sheridan parece ter tanto cuidado com seu trabalho - talvez para não soar tão autobiográfico assim - que não consegue envolver com seu roteiro e sua direção aqui está bem inferior a de trabalhos como Meu Pé Esquerdo 989) e Em Nome do Pai (93).

O destaque absoluto do filme são as interpretações. Samantha Morton, ótima em Poucas e Boas (99) e Minority Report, assume bem o papel da mãe. As irmãs atrizes Emma e Sarah Bolger são fascinantes. A mais velha é dona da cena mais impressionante do filme, quando confessa que carrega há anos a família nas costas. Djimon Hounsou é o único irregular no elenco. Na ânsia de mostrar a raiva dentro de um artista que implode a cada dia, ele exagera em gritos sem necessidade. Mas a interação com as duas garotas é impressionante. No entanto, a melhor interpretação do filme ficou de fora das listas de prêmios espalhadas por aí. Paddy Considine está perfeito num misto de pai protetor, ator fracassado, homem digno. É ele que sustenta a família e o filme. Foi para ele que Jim Sheridan desenhou o papel mais redondo de Terra de Sonhos.

Terra de Sonhos
In America, Irlanda/Grã-Bretanha, 2003
Direção: Jim Sheridan.
Elenco: Paddy Considine, Samantha Morton, Sarah Bolger, Emma Bolger, Ciaran Cronin, Djimon Hounsou, Juan Hernandez, Jason Salkey, Rene Millan, Sara James, Adrian Martinez, Merrina Millsapp, Nick Dunning, Jessica Peters (voz).
Roteiro: Jim Sheridan, Naomi Sheridan e Kirsten Sheridan. Produção: Arthur Lappin e Jim Sheridan. Fotografia: Declan Quinn. Edição: Naomi Geraghty. Direção de Arte: Mark Geraghty. Figurinos: Eimer Ni Mhaoldomhnaigh. Música: Gavin Friday e Maurice Seezer.

SEABISCUIT - ALMA DE HERÓI

Quase todos os anos, Hollywood se masturba. Ou masturba o grande país que deveriam ser os Estados Unidos. A homenagem é levar às telas histórias de pessoas simples que se estruturam na superação de obstáculos, na busca de sentido para suas vidas. Pequenas histórias que dão lições e que ajudam as pessoas comuns de verdade, como eu e como você, a trazer para as nossas realidades verdades universais importantes de se praticar. Para dar mais credibilidade aos roteiros, quase sempre eles são adaptações de livros que enaltecem a boa gente que mora na América. Os filmes são discretos. Os temas, grandiosos. Os engana-trouxas surgem com produção caprichada, diretores ou desconhecidos ou de boa reputação e muitas possibilidades de aparecer com boa visibilidade na festa do Oscar.

Foi assim com Campo dos Sonhos (Phil Alden Robinson, 89), O Encantador de Cavalos (Robert Redford, 98) e com esse Seabiscuit - Alma de Herói, que vem depor contra a carreira de Gary Ross, que tinha estreado com o belo A Vida em Preto-e-Branco (98). Pois bem, Seabiscuit é sobre superação. Só há fracassados no filme. Um jóquei abandonado pela família, um empresário que perdeu dinheiro e um filho e um instrutor que não encontra um espaço para trabalhar. Todos querem descobrir um novo sentido para suas vidas. Inclusive aquele que une todos os três: um cavalo. Seabiscuit, o animal, era bonzinho até demais, mas comia muito e gostava de dar umas cochiladas. Resultado: a fama de preguiçoso e glutão o afastou da futura carreira de ídolo do esporte. E Seabiscuit vira cavalo-escada para campeões. O destino deixou o bicho furioso. Ele virou uma fera do estábulo. E domá-lo parece ser a única solução para que as vidas de todas as personagens mais importantes do filme se reestruturem.

O roteiro fala sozinho, né? Então, vamos ver porque será que esse está disputando tanto prêmio. Primeiro, Gary Ross reuniu um elenco de peso. William H. Macy, bom ator em bom momento, Chris Cooper, bom ator em momento clichê, Tobey Maguire, bom ator em mau momento, e Jeff Bridges, que nunca foi bom ator, mas que sempre foi uma figura muito simpática com quem você tomaria uma cerveja, em bom momento. Isso já chama atenção. Olha a credibilidade de novo. A técnica do filme é muito competente em diversas áres: da direção de arte à sonoplastia, com destaque para a fotografia de John Schwartzman, que explora as pigmentações como pode e nos dá vermelhos, verdes e azuis bem bonitos. A música de Randy Newman, outro favorito das melodias doces e envolventes, embala tudo. Ah... é isso. Seabiscuit é um montão de bobagens embaladas com papel de presente.

Seabiscuit - Alma de Herói
Seabiscuit, Estados Unidos, 2003
Direção e Roteiro: Gary Ross, baseado no livro Seabiscuit, de Laura Hillenbrand.
Elenco: Jeff Bridges, Chris Cooper, Tobey Maguire, Elizabeth Banks, Valerie Mahaffey, Michael O'Neill, Annie Corley, Michael Angarano, Ed Lauter, Gianni Russo, Sam Bottoms, David Doty, Royce D. Applegate, Dyllan Christopher, Gary Stevens, David McCullough (narração).
Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall, Gary Ross e Jane Sindell. Fotografia: John Schwartzman. Edição: William Goldenberg. Direção de Arte: Jeannine Claudia Oppewall. Figurinos: Judianna Makovsky. Música: Randy Newman.

7 de fev. de 2004

PARTY MONSTER

Vou confessar. Sempre gostei de Macaulay Culkin. Adoro o desempenho dele em Esqueceram de Mim (90) e até no bobinho Meu Primeiro Amor (91). Então, minha expectativa para a volta do rapaz às telas depois de dez anos de recolhimento, drogas, ídolos da música pop, exploração paterna e até um casamento era bem grande. Maior ainda porque o garoto perdido escolheu uma personagem bem controvertido para reaparecer no cinema: Michael Alig, nome importante na noite nova-iorquina nos anos 90, criador de festas gay escandalosas que fizeram sua fama. Era a chance de Culkin provar que é um grande ator como sempre deu a entender. Mas isso não acontec.

Party Monster parece filme de formatura de estudante de cinema recém-saído da faculdade. É tolo, espalhafotoso, pouco profundo e com uma necessidade bem visível de chocar. O universo gay visto no filme se baseia em estereótipos gastos. Estereótipos que podem até ter um pé no real, mas que são estereótipos perigosos. Macaulay Culkin, preocupado em deixar sua performance o mais peculiar possível, fica preso numa sucessão de afetações que deixam a personagem e o filme desacreditados. Ruim. Ruim mesmo. O tom sarcástico e deliberadamente (e exageradamente) cômico minimizam as tentativas - parcas - de aprofundamento psicológico do filme.

Party Monster termina melhor do que começa, mas nem assim consegue ser um filme satisfatório. O elenco embarca na bobagem e entrega performances nulas ou medíocres. A exceção é apenas Seth Green. O ator, que já foi a persona de Woody Allen em A Era do Rádio (87) e que foi parar na série boboca Austin Powers (97-02), no papel do autor do livro em que o roteiro foi baseado, cria o único personagem digno do filme. Afetado na medida certa, com silêncios necessários a qualquer um em que se queira acreditar.

Party Monster
Party Monster, Estados Unidos, 2003
Direção: Fenton Bailey e Randy Barbato.
Elenco: Macaulay Culkin, Seth Green, Chloë Sevigny, Natasha Lyonne, Marilyn Manson, Wilmer Valderrama, Wilson Cruz, Diana Scarwid, Dylan McDermott, Mia Kirshner, Justin Hagan, John Stamos, Clark Render.
Roteiro: Fenton Bailey e Randy Barbato, baseados no livro Disco Bloodbath, de James St. James. Produção: Fenton Bailey, Randy Barbato, Jon Marcus, Bradford Simpson e Christine Vachon. Fotografia: Teodoro Maniaci. Edição: Jeremy Simmons. Direção de Arte: Andrea Stanley. Figurinos: Richie Rich (como Heatherette) e Michael Wilkinson. Música: Jimmy Harry.

6 de fev. de 2004

MESTRE DOS MARES: O LADO DISTANTE DO MUNDO

Obras com universos muito específicos podem ser bastante perigosas. Mestre dos Mares: O Lado Distante do Mundo, novo filme de Peter Weir, faz, portanto, parte deste grupo. O roteiro condensa uma série de livros do escritor Patrick O'Brian, que narra os feitos da marinha britânica mar adentro na época das Guerras Napoleônicas. A ação se passa, então, em navios, um campo de ação restrito e essencialmente masculino. À primeira vista, o longa poderia ser confundido com um épico sobre as águas, condição sustentada pela presença de Russell Crowe no leme do elenco. Mas Peter Weir passou longe do porto seguro da grandiosidade. Seu filme não é pequeno na duração, mas em suas escondidas delicadezas.

O foco não são as batalhas: há apenas duas nos muitos minutos do filme. O que importa é o comportamento das personagens e a teia de relações que se estabelece entre elas, gerando discussões que envolvem hierarquia, ordem, missão e amizade, temas que poderiam facilmente explodir em clichês. Mas Peter Weir consegue em Mestre dos Mares algo que nunca havia conseguido em sua carreira: faz um filme sensível sem recorrer a emoções básicas que fazem platéias chorarem, faz um filme sensível e seco. Russell Crowe dá um tempo no seu mau humor de garanhão australiano e volta a se mostrar um bom ator. Sua personagem é rica e cheia de detalhes, explorados com tratamento inteligente pela narrativa.

O mais forte destes detalhes é a amizade entre o capitão de Crowe e o médico interpretado por Paul Bettany. Um contrapõe o outro. Um completa o outro. Os opostos que fazem atraentes, no entanto, ganham a melhor das boas idéias do roteiro: eles não entram em embate por causa de suas diferenças, mas exatamente porque têm a mesma visão de mundo, porque são extremamente parecidos. Os atores já haviam feito dupla no fraco Uma Mente Brilhante (01), o que parece ter criado mais intimidade entre eles. Se Russell Crowe está bem, é Paul Bettany quem entrega o melhor papel do filme, um dos melhores coadjuvantes do ano. Um personagem que sonha com os pés no chão, capaz de procurar uma ave rara no meio de uma batalha com um navio inimigo.

As tempestades da história não afetaram o ritmo da narrativa. Peter Weir conduz com calma e tranqüilidade seu filme, incomodando platéias que talvez esperassem uma obra de outro tipo. Ao declinar da ação em prol das personagens, o diretor se apóia numa proposta diferente para fazer de Mestre dos Mares um de seus melhores filmes, talvez o melhor. Um anti-épico embalado por uma trilha sonora incomum para um filme naval, onde um duelo de violinos, de comum acordo entre as partes envolvidas, é a guerra mais interminável que alguém possa travar.

Mestre dos Mares: O Lado Distante do Mundo
Master and Commander: The Far Side Of The World, Estados Unidos, 2003
Direção: Peter Weir.
Elenco: Russell Crowe, Paul Bettany, James D'Arcy, Edward Woodall, Chris Larkin, Max Pirkis, Jack Randall, Max Benitz, Lee Ingleby, Richard Pates, Robert Pugh, Richard McCabe, Ian Mercer, Tony Dolan, David Threlfall, Billy Boyd, Bryan Dick, Joseph Morgan, George Innes, William Mannering, Mark Lewis Jones, John DeSantis, Ousmane Thiam, Thierry Segall.
Roteiro: Peter Weir e John Collee, baseados nas novelas de Patrick O'Brian. Produção: Samuel Goldwyn Jr., Duncan Henderson e Peter Weir. Fotografia: Russell Boyd. Edição: Lee Smith. Direção de Arte: William Sandell. Figurinos: Wendy Stites e Kacy Treadway. Música: Iva Davies, Christopher Gordon e Richard Tognetti.

21 GRAMAS

Narrativas esfaceladas podem provocar estranheza em muitas platéias, mas, desde que Pulp Fiction (94) ganhou um Oscar de roteiro original, elas deixaram de ser novidade. O maior atrativo de 21 Gramas é como o roteiro de Guillermo Arriaga apresenta a história que une três personagens cujas vidas se cruzam em um determinado momento. Fosse esse apenas seu único mérito, o segundo longa-metragem de Alejandro González Iñarritú não chegaria muito longe, mas o mexicano revela aqui um grande desenvoltura como diretor de atores. Sean Penn, Naomi Watts e Benicio Del Toro são nomes que fortalecem qualquer elenco, que garantem créditos para qualquer filme, mas suas interpretações aqui vão além do talento pessoal, apontam para um vigoroso trabalho na condução dos desempenhos. E na unificação do discurso também. Iñarritú compõe um cotidiano contemporâneo, que não é estruturado em padrões estereotipados de personagem suburbanos. Pelo contrário, ações e reações, pessoas e lugares soam não apenas reais, mas próximos. A edição, a coisa mais visível no filme, vira coadjuvante. Apesar de uma certa repercussão contraditória, ela é boa. Mas não é o melhor. O roteiro pode partir de uma idéia semelhante a Amores Brutos (01), estréia do diretor, mas as relações estabelecidas entre os personagens transformam o filme num trabalho honesto e bem realizado. Sean Penn, num desempenho muito melhor do que o indicou para o Oscar (Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood), comanda um elenco afinado e sem afetações.

21 Gramas
21 Grams, Estados Unidos, 2003
Direção: Alejandro González Iñárritu.
Elenco: Sean Penn, Naomi Watts, Benicio Del Toro, Charlotte Gainsbourg, Melissa Leo, Clea DuVall, Danny Huston, Carly Nahon, Claire Pakis, Nick Nichols, John Rubinstein, Eddie Marsan, Loyd Keith Salter, Antef A. Harris, Marc Thomas Musso, Teresa Delgado.
Roteiro: Guillermo Arriaga, com base na história escrita por ele e Alejandro González Iñárritu. Produção: Alejandro González Iñárritu e Robert Salerno. Fotografia: Rodrigo Prieto. Edição: Stephen Mirrione. Direção de Arte: Brigitte Broch. Figurinos: Marlene Stewart. Música: Gustavo Santaolalla.

4 de fev. de 2004

O ÚLTIMO SAMURAI

Herói de verdade, acredita Edward Zwick, é aquele que luta por seus princípios mesmo que eles não sejam os mesmos que os de sua pátria. Herói de verdade, na opinião de Tom Cruise, é aquele se rende à beleza de uma cultura que, de pronto, lhe causa estranheza, mas termina por fasciná-lo e motivá-lo a enfrentar antigos aliados. O Último Samurai é um filme sobre o intrépido general Custer, o impetuoso líder norte-americano que matou índios e se sagrou herói de sua nação. Ou ainda, sobre como é errado acreditar nesta faceta heróica do militar, um "assassino irresponsável" como nos informa a personagem do ator mais famoso mundo neste filme. A primeira cena do longa já revela as intenções de seus criadores: desconstruir a imagem militarista dos Estados Unidos. Cruise, bêbado, entra num palco para apresentar uma das maravilhas do mundo bélico, destino reservado para os antigos grandes heróis do povo norte-americano. Primeira lição de moral do filme: "esse negócio de guerra não vale nada".

Reconstruir seu orgulho é missão importante para o capitão vivido por Tom Cruise. Ensinar soldados japoneses como modernizar suas técnicas de combate e enfrentar antigos guerreiros presos ao passado, os samurais, termina sendo a única chance da personagem encontrar motivações e encher um pouco os bolsos de dinheiro. Mas, ao se deparar com o novo país e com o modo de vida que se apresenta para ele, Nathan Algren enxerga que a simplicidade do povo japonês, sua cultura e suas tradições são muito mais honradas e valorosas do que lutar pela aproximação de uma nação do mundo capitalista. Erradicar a história de um país é errado. Lutar pela liberdade de pensamento e de expressão é certo. Segunda lição de moral do filme: "mais vale um passado puro e cheio de beleza do que um futuro sem alma e corrompido".

Veja bem, há que se valorizar Tom Cruise. O ator tem uma preocupação flagrante em sua última década e meia de carreira: a de ser cada vez mais um melhor intérprete. O problema é que falta talento: Cruise não é um ator ruim, mas não é - e pelo currículo que nos mostra - jamais será um grande ator. Nem todo astro se arriscaria em Magnólia (99), que fez com empenho mas sem tanto sucesso artístico, ou Vanilla Sky (01), filme que pretende mais que cumpre. Poderia ficar no canto dele, mas se arrisca com seu engajamento político. Talvez politicamente correto demais. Em tempo onde é politicamente correto não ser politicamente correto (Tiros em Columbine, 02), O Último Samurai chega todo prosa, criticando os Estados Unidos e a corrupção do alto escalão japonês. Mas é bobo demais, óbvio demais, e guarda uma interpretação muito fraca do nosso herói. Seja bêbado, seja raivoso, seja com falas bonitas, Tom Cruise não convence. Porque não consegue mesmo.

A rendição final do herói à cultura que o conquistou, o que nos leva a terceira grande lição de moral do filme ("honra é o que vale nesta vida"), é conduzida de forma incômoda por Edward Zwick. O diretor de Lendas da Paixão (94) é muito fraco. Bebe da obviedade sem parecer nem ter consciência disso. Recorre a batalhas gloriosas, fotogradas com muitas cores por John Toll, e não chegar a lugar algum além do lugar comum. O Último Samurai é feito para um novo pensamento mundial, posicionado politicamente, pronto para gerar debates éticos, mas é um filme que já nasce velho, corroído por vícios preocupantes e virtudes rarefeitas. Não é á tôa que Ken Watanabe, que salta todo e qualquer clichê de líder duro e inabalável, é - de longe - a maior destas virtudes.

O Último Samurai
The Last Samurai, Alemanha, 2003
Direção: Edward Zwick.
Elenco: Tom Cruise, Ken Watanabe, William Atherton, Chad Lindberg, Ray Godshall Sr., Billy Connolly, Tony Goldwyn, Masato Harada, Masashi Odate, John Koyama, Timothy Spall, Shichinosuke Nakamura, Togo Igawa, Satoshi Nikaido, Shintaro Wada.
Roteiro: John Logan, Edward Zwick e Marshall Herskovitz, baseado na história de Logan. Produção: Tom Cruise, Tom Engelman, Marshall Herskovitz, Scott Kroopf, Paula Wagner e Edward Zwick. Fotografia: John Toll. Edição: Victor Du Bois e Steven Rosenblum. Direção de Arte: Lilly Kilvert. Figurinos: Ngila Dickson. Música: Hans Zimmer (com música adicional de Blake Neely e Geoff Zanelli.

2 de fev. de 2004

O RAIO VERDE

A solidão é fera, já dizia o poeta pernambucano, e ela devora Delphine. Nas suas férias, a moça, que tem uma vida sem graça, um emprego sem graça, amigos sem graça, quer descobrir o grande amor que persegue há tempos. Sua busca desesperada, com qual muita gente deve se identificar, é o que torna O Raio Verde um filme interessante. Mas sob a direção de Éric Rohmer, a jornada de Delphine pelos quatro cantos da França à procura do homem perfeito é uma jornada deveras cansativa. Rohmer gosta bastante de retratar o nada que invade a personagem, que não consegue abrir a boca numa conversa com possíveis pretendentes e que espera surgir do céu uma esperança para animar sua vida. Não que situações como estas sejam irreais. Não que não haja pessoas que querem muito e que nada fazem para conseguir. Mas a tentativa de deixar a história o mais natural e próxima da realidade possível guarda problemas para a narrativa, arrastada e muitas vezes desinteressante. Rohmer gosta da contemplação, mas não de trabalhar as imagens. Seu negócio são as personagens, suas ações e reações. E, para isso, tem uma maneira muito particular de conduzir as interpretações de seus atores. Todos parecem não-atores. Todos querem estar o mais longe possível de uma performance. A espontaneidade pretendida, no entanto, os aproxima muitas vezes do amadorismo. A primeira reação - primeira, no sentido de reação mais primordial - é capturada pela câmera e vira verdade. A paixão de Rohmer pela, com o perdão do clichê, "a vida como ela é", ganha proporções maiores que seus filmes, suas histórias. A procura do diretor por essa essência humana é maior do que a procura de Delphine pelo amor puro. Mas nem todo mundo consegue mesmo ver o raio verde. Um dia ele aparece...

O Raio Verde
Le Rayon Vert, França, 1986
Direção: Éric Rohmer.
Elenco: Marie Rivière, Amira Chemakhi, Sylvie Richez, Lisa Hérédia, Basile Gervaise, Virginie Gervaise, René Hernandez, Dominique Rivière, Laetitia Riviere, Béatrice Romand, Maria Couto-Palos, Isa Bonnet, Yve Doyhamboure, Joël Comarlot, Vincent Gauthier.
Roteiro: Éric Rohmer e Marie Rivière. Produção: Margaret Ménégoz. Fotografia: Sophie Maintigneux. Edição: María Luisa García. Música: Jean-Louis Valéro.

ADEUS, LÊNIN

A maior e melhor característica de Adeus, Lênin não é sua análise ou seu posicionamento crítico sobre a Alemanha que não deu certo, mas o carinho que o diretor mostra ao construir cada cena, ao apresentar cada personagem. O filme de Wolfgang Becker poderia recorrer ao estereótipo do filme de família, mas, ao contrário, abraça um realismo quase fantástico para falar de amor. Amor entre filho e mãe, sobretudo. Para ajudar sua mãe a se recuperar de um recém-saído estado de coma, o personagem de Daniel Bruhl, um ator surpreendente, resolve mudar a história. Ele restaura a Alemanha Oriental pré-derrubada do Muro de Berlim em depoimentos, vídeos forjados e vidros de pepinos em conserva. Tudo para evitar que a mãe, socialista de carteirinha - e ainda instável depois de despertar de um sono de sete meses, acredite que nada mudou. Mas sustentar um universo inteiro é complicado e o bom filho precisa fazer com que as mudanças na Alemanha aconteçam aos poucos. Aos poucos, Bruhl refaz a história e cria sua Alemanha perfeita. Comanda mudanças, abraça exilados e multinacionais. E o mundo de seus sonhos passados vai se tornando possível.

Wolfgang Becker quis retornar para sua Alemanha idealizada e fez essa viagem com carinho. A família protagonista revela um amor e um cuidado entre seus integrantes que pouco combinam com o estereótipo gélido do alemão comum. Daniel Bruhl comanda um elenco interadíssimo, onde quase todos têm seu destaque. Sua interpretação é tão despretensiosa e envolvente que torcer por sua personagem é obrigatório. Ao seu lado, Maria Simon, que foge das prisões de uma personagem maluquinha para nos entregar uma filha preocupada, e Chulpan Khamatova, com a namorada-enfermeira apaixonante. Mas Katrin Saß é quem tem a melhor cena do filme. Quando levanta da cama para olhar Berlim de perto, e vê Lênin voar sobre as ruas da cidade, a atriz representa um povo inteiro que viu seu passado de pedra ir embora pelos ares. Wolfgang Becker brinda ao fim das utopias, com delicadeza para não quebrar as taças.

Adeus, Lênin
Good Bye, Lenin, Alemanha, 2003
Direção: Wolfgang Becker.
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Saß, Maria Simon, Chulpan Khamatova, Florian Lukas, Alexander Beyer, Burghart Klaußner, Michael Gwisdek, Jürgen Holtz, Jelena Kratz, Christine Schorn, Ernst-Georg Schwill.
Roteiro: Wolfgang Becker, Hendrik Handloegten, Bernd Lichtenberg e Achim von Borries. Produção: Stefan Arndt. Fotografia: Martin Kukula. Edição: Peter R. Adam. Direção de Arte: Lothar Holler (com Daniele Drobny). Figurinos: Aenne Plaumann. Música: Yann Tiersen (com música adicional de Xaver Naudascher).

REVELAÇÕES

Nicole Kidman corre firme para ganhar o prêmio de operária padrão do ano. Entre Dogville e o ainda inédito Cold Mountain, a atriz arranjou tempo para fazer este Revelações, do veterano Robert Benton, que volta ao universo particular das cidadezinhas interioranas dos Estados Unidos para contar a história de gente comum. O filme se baseia no livro de Philip Roth, uma obra que fica no meio do caminho de seus nebulosos objetivos. A bela música de Rachel Portman embala a história do reitor de uma universidade, acusado injustamente de racismo, que se envolve com uma mulher misteriosa, papel que Nicole Kidman faz com correção e sem exageros. Se Nicole mostra talento a cada trabalho, Anthony Hopkins parece rodar em círculos nas suas últimas investidas no cinema. Desde Vestígios do Dia, que já completou dez anos, o ator inglês não faz nada que mereça atenção especial no cinema. Ou se dedica a papéis caça-níqueis em blockbusters sem graça, ou repete fórmulas gastas para compor personagens supostamente ricos e densos, como o professor que esconde segredos de uma vida inteira.

Revelações tem intenções de mais e intensidade de menos. O passado da personagem de Hopkins, o grande motivo para um filme de que se conhece o final desde a primeira cena, é revelado numa sucessão de flashbacks que não chegam a um final satisfatório que justifique toda a história. A sensação de "é só isso?" fica na boca depois do fim do longa, que aposta em diálogos cuidadosamente escritos para o típico filme de arte independente norte-americano. Benton tem seus méritos, mas este filme é muita fórmula e pouca inventividade. O melhor, sem dúvida, são as performances de Gary Sinise, discreto com o escritor que narra a história, Ed Harris, que quando não é o psicopata americano clássico garante bons momentos, e Nicole Kidman, mais uma vez linda, com cabelos castanhos, e com um desempenho longe da caricatura. A decepção é ver o grande ator que é Anthony Hopkins preso a tantos clichês e tão poucas inovações.

Revelações
The Human Stain, Estados Unidos/Alemanha/França, 2003
Direção: Robert Benton.
Elenco: Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris, Gary Sinise, Wentworth Miller, Jacinda Barrett, Harry J. Lennix, Clark Gregg, Anna Deavere Smith, Lizan Mitchell, Kerry Washington, Phyllis Newman, Margo Martindale, Ron Canada, Mili Avital, Danny Blanco, Kristen Blevins, Anne Dudek, Mimi Kuzyk, John Finn.
Roteiro: Nicholas Meyer, baseado no romance de Philip Roth. Produção: Gary Lucchesi, Tom Rosenberg e Scott Steindorff. Fotografia: Jean-Yves Escoffier. Edição: Christopher Tellefsen. Direção de Arte: David Gropman. Figurinos: Rita Ryack. Música: Rachel Portman.


 
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