[f i l m e s d o c h i c o]

10 de mar. de 2003

Chicago



O cinema nasceu espetáculo. E por mais que se afirme a cada dia como arte maior, sempre o será. A maior encarnação do espetáculo no cinema é o musical, gênero que explora as possibilidades da técnica e da capacidade de encantamento. O musical nasceu nos anos 30, logo depois que o cinema ganhou som. A Broadway mudou de endereço e a melodia invadiu as telas e o imaginário popular numa intensidade nunca antes vista ou sonhada.

Durante décadas, o gênero gerou clássicos majestosos, personagens inesquecíveis, ganhou as bilheterias e sofreu metamorfoses múltiplas para se acomodar às transformações do mundo. Gene Kelly, Frank Sinatra, Debbie Reynolds, Ginger Rogers e, mais que todos, Fred Astaire conquistaram lugar especial na memória e no coração das platéias. Até que o tempo se encarregou de passar. E, exceto por exemplos específicos, o musical definhou até seu triste fim. Era impossível adequar o gênero ao gosto do homem e do espectador moderno.

Até que um homem descobriu a fórmula: ser moderno. Baz Luhrmann construiu Moulin Rouge (01) como o musical exato para a platéia de hoje: um ídolo pop, linguagem acelerada e muitos hits. O filme, excepcional, reinaugurou o gênero e tornou viável uma série de possibilidades fílmicas. Eis que surge Chicago (02), filme de Rob Marshall baseado na peça de Maurine Dallas Watkins e no musical consequentemente adaptado deste texto por Bob Fosse, o maior gênio da última fase do filme cantado no cinema.

Chicago é espetáculo puro. Grandioso, extremamente bem executado, assumidamente popular. Apesar do subtexto crítico de Watkins, o filme de Rob Marshall é, mais que qualquer outra coisa, um show. A direção de arte e figurinos celebram o exagero e a beleza plástica. A fotografia em jatos de luz colorida cria um ambiente de palco eterno. A edição, extremamente competente, trabalha com plenitude a relação entre os números musicais e as seqüências dramáticas, criando um longa-metragem coeso e bem montado.

Renée Zellweger parece retirada de um filme dos anos 40 e Catherine Zeta-Jones é a encarnação mais perfeita de Cyd Charisse, com a diferença que sabe interpretar. Mulher voluptuosa, belíssima e exímia dançarina, ela domina cada momento que aparece no filme com seu magnetismo natural, sobretudo nas cenas de dança. Mas a grande surpresa no elenco de Chicago é Richard Gere, no seu momento mais inspirado no cinema. Gere dá vida ao cinismo do texto com competência assustadora e não faz feio nos números musicais. E os astros ajudam a atrair platéias.

Mas a relação entre Chicago e os musicais renovados por Moulin Rouge não vai muito longe porque o filme renega qualquer modernidade. Esquece as canções de sucesso popular e qualquer forma mais contemporânea de contar uma história com música. Assume-se como musical clássico e adota o vaudeville, com direção à moda antiga. E é na direção que Chicago mostra suas maiores habilidade e fragilidade. Enquanto executa as coreografias delirantes de Bob Fosse com extrema competência para um primeiro contato com o cinema, Rob Marshall mostra inocência na direção de elenco. Os atores têm ótimos desempenhos isoladamente, mas raramente são excepcionais em conjunto nas cenas dramáticas. As personagens de Queen Latifah e John C. Reilly são pouco aproveitadas apesar das boas atuações.

E o que atrai, o show, também causa estranhamento. Chicago assume a forma de um musical clássico do cinema e não há gênero mais norte-americano do que esse. O filme se constrói e se sustenta pela nostalgia, mas se alimenta do próprio brilho. É feito para si mesmo. É feito para a Broadway, para Hollywood, para a auto-proclamada América. É umbigo. Precisou de uma campanha de R$ 30 milhões de dólares para ganhar todos os Oscars que deve ganhar. E, por isso mesmo, talvez nunca vá ocupar lugar de destaque ao lado de Cantando na Chuva (52) ou Cabaret (72). Talvez nem haja essa intenção. Porque Chicago é um filme-espetáculo, nunca um filme espetacular.

Chicago
Chicago, EUA, 2002
Direção: Rob Marshall
Elenco: Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere, Queen Latifah, John C. Reilly, Taye Diggs, Lucy Liu, Christine Baranski, Colm Feore, Deirdre Goodwin, Mya, Chita Rivera, Ekatherina Chtchelkanova, Denise Faye, Susan Misner, Dominic West.
Roteiro: Bill Condon, baseado na peça de Maurine Dallas Watkins e no musical de Bob Fosse e Fred Ebb. Produção: Marty Richards. Fotografia: Dion Beebe. Edição: Martin Walsh. Direção de Arte: John Myhre. Música: Danny Elfman. Figurinos: Colleen Atwood. Canções: Fred Ebb e John Kander.

Chicago



O cinema nasceu espetáculo. E por mais que se afirme a cada dia como arte maior, sempre o será. A maior encarnação do espetáculo no cinema é o musical, gênero que explora as possibilidades da técnica e da capacidade de encantamento. O musical nasceu nos anos 30, logo depois que o cinema ganhou som. A Broadway mudou de endereço e a melodia invadiu as telas e o imaginário popular numa intensidade nunca antes vista ou sonhada.

Durante décadas, o gênero gerou clássicos majestosos, personagens inesquecíveis, ganhou as bilheterias e sofreu metamorfoses múltiplas para se acomodar às transformações do mundo. Gene Kelly, Frank Sinatra, Debbie Reynolds, Ginger Rogers e, mais que todos, Fred Astaire conquistaram lugar especial na memória e no coração das platéias. Até que o tempo se encarregou de passar. E, exceto por exemplos específicos, o musical definhou até seu triste fim. Era impossível adequar o gênero ao gosto do homem e do espectador moderno.

Até que um homem descobriu a fórmula: ser moderno. Baz Luhrmann construiu Moulin Rouge (01) como o musical exato para a platéia de hoje: um ídolo pop, linguagem acelerada e muitos hits. O filme, excepcional, reinaugurou o gênero e tornou viável uma série de possibilidades fílmicas. Eis que surge Chicago (02), filme de Rob Marshall baseado na peça de Maurine Dallas Watkins e no musical consequentemente adaptado deste texto por Bob Fosse, o maior gênio da última fase do filme cantado no cinema.

Chicago é espetáculo puro. Grandioso, extremamente bem executado, assumidamente popular. Apesar do subtexto crítico de Watkins, o filme de Rob Marshall é, mais que qualquer outra coisa, um show. A direção de arte e figurinos celebram o exagero e a beleza plástica. A fotografia em jatos de luz colorida cria um ambiente de palco eterno. A edição, extremamente competente, trabalha com plenitude a relação entre os números musicais e as seqüências dramáticas, criando um longa-metragem coeso e bem montado.

Renée Zellweger parece retirada de um filme dos anos 40 e Catherine Zeta-Jones é a encarnação mais perfeita de Cyd Charisse, com a diferença que sabe interpretar. Mulher voluptuosa, belíssima e exímia dançarina, ela domina cada momento que aparece no filme com seu magnetismo natural, sobretudo nas cenas de dança. Mas a grande surpresa no elenco de Chicago é Richard Gere, no seu momento mais inspirado no cinema. Gere dá vida ao cinismo do texto com competência assustadora e não faz feio nos números musicais. E os astros ajudam a atrair platéias.

Mas a relação entre Chicago e os musicais renovados por Moulin Rouge não vai muito longe porque o filme renega qualquer modernidade. Esquece as canções de sucesso popular e qualquer forma mais contemporânea de contar uma história com música. Assume-se como musical clássico e adota o vaudeville, com direção à moda antiga. E é na direção que Chicago mostra suas maiores habilidade e fragilidade. Enquanto executa as coreografias delirantes de Bob Fosse com extrema competência para um primeiro contato com o cinema, Rob Marshall mostra inocência na direção de elenco. Os atores têm ótimos desempenhos isoladamente, mas raramente são excepcionais em conjunto nas cenas dramáticas. As personagens de Queen Latifah e John C. Reilly são pouco aproveitadas apesar das boas atuações.

E o que atrai, o show, também causa estranhamento. Chicago assume a forma de um musical clássico do cinema e não há gênero mais norte-americano do que esse. O filme se constrói e se sustenta pela nostalgia, mas se alimenta do próprio brilho. É feito para si mesmo. É feito para a Broadway, para Hollywood, para a auto-proclamada América. É umbigo. Precisou de uma campanha de R$ 30 milhões de dólares para ganhar todos os Oscars que deve ganhar. E, por isso mesmo, talvez nunca vá ocupar lugar de destaque ao lado de Cantando na Chuva (52) ou Cabaret (72). Talvez nem haja essa intenção. Porque Chicago é um filme-espetáculo, nunca um filme espetacular.

Chicago
Chicago, EUA, 2002.
Direção: Rob Marshall
Elenco: Renée Zellweger, Catherine Zeta-Jones, Richard Gere, Queen Latifah, John C. Reilly, Taye Diggs, Lucy Liu, Christine Baranski, Colm Feore, Deirdre Goodwin, Mya, Chita Rivera, Ekatherina Chtchelkanova, Denise Faye, Susan Misner, Dominic West.
Roteiro: Bill Condon, baseado na peça de Maurine Dallas Watkins e no musical de Bob Fosse e Fred Ebb. Produção: Marty Richards. Fotografia: Dion Beebe. Edição: Martin Walsh. Direção de Arte: John Myhre. Música: Danny Elfman. Figurinos: Colleen Atwood. Canções: Fred Ebb e John Kander.

7 de mar. de 2003

Cristina Quer Casar



O cineasta Luiz Villaça volta a se reunir com a mulher, a atriz Denise Fraga, no cinema. Três anos depois de Por Trás do Pano, o desastre se multiplica. Cristina Quer Casar é uma farsa. Um filme que quer ser bonitinho, engraçadinho e sensível, mas que não passa o limite do parco. O texto, desprovido das mais remotas graça ou graciosidade, anda em círculos e nada mais faz do que cristalizar personagens-clichê, frases feitas e situações constrangedoras, de tão previsíveis. Não há atuações, há crianças sem talento lendo textos. Fábio Assunção às vezes é engraçado; nada que se sustente por muito tempo. E há Denise Fraga, que é uma boa atriz, mas insiste em interpretar estereótipos de si mesma (ou do que querem que achemos que seja ela). O mais impressionante é ver que o roteirista de Central do Brasil é um dos escritores envolvidos no projeto, que tem tudo para agradar que se contenta com o humor (ou falta dele) de uma novela das sete. Não chega nem a ser um rascunho. E o pior: nem existe essa intenção.

Cristina Quer Casar
Cristina Quer Casar, Brasil, 2003
Direção: Luiz Villaça.
Elenco: Denise Fraga, Marco Ricca, Fábio Assunção, Suely Franco, Rogério Cardoso, Julia Lemmertz, Júlia Feldens, Maurício Marques, Renata Mello, Adriano Leonel, Petrônio Gontijo, Cláudia Missura.
Roteiro: Luiz Villaça, Mariana Veríssimo e João Emanuel Carneiro. Produção: Francisco Ramalho Jr. Fotografia: Adrian Tejido. Edição: Verónica Sáenz. Direção de Arte: Luciana Solim. Música: Dimi Kireeff. Figurinos: Caia Guimarães.

Nu



O cinema britânico urbano dos anos 90 tem muitos momentos de pura elocubração intelectualóide, mas há um grande cineasta que se destaca nesse meio, narrando as vidas de pessoas pobres e comuns. Mike Leigh, que desconfigurou famílias nas obras-primas caseiras Segredos e Mentiras (96) e Agora ou Nunca (02), começou a mostrar o que o faz o mais competente cineasta da Inglaterra contemporânea em Nu (93). O filme é uma obra em movimento. David Thewlis interpreta um homem sem lar e sem perspectivas que estupra uma mulher e foge, invadindo e mudando os rumos das vidas de várias pessoas que encontra. Thewlis vira carrasco, bálsamo, incitador, vítima, dependendo de quem cruza seu caminho. Parece um anjo/demônio boêmio que vem para provocar reações. Sua rudeza com uma mulher de meia-idade que se exibe na janela contrasta com seus conselhos metafísicos para o vigilante que a olha. Nu despe o espectador de qualquer procura por coerência narrativa. O que importa aqui é investigar almas.

Nu
Naked, Grã-Bretanha, 1993
Direção: Mike Leigh.
Elenco: David Thewlis, Lesley Sharp, Katrin Cartlidge, Greg Cruttwell, Claire Skinner, Peter Wight, Ewen Bremmer, Susan Vidler, Deborah MacLaren, Gina McKee, Carolina Giammetta, Elizabeth Berrington, Darren Tunstall.
Roteiro: Mike Leigh. Produção: Simon Channing-Williams. Fotografia: Dick Pope. Edição: John Gregory. Direção de Arte: Alison Chitty. Música: Andrew Dickson. Figurinos: Lindy Hemming.

1 de mar. de 2003

Pistoleiros Sem Destino

Peter Fonda, junto com Dennis Hopper, é a encarnação do anti-herói norte-americano dos anos 60 e 70. O ator, filho de Henry, irmão de Jane e pai de Bridget, recusou as luzes para concentrar sua carreira em filmes menores e mais reveladores. Este aqui é sua estréia na direção. Em pleno Velho Oeste, um homem volta para casa depois de anos buscando aventuras ao lado de um companheiro de estrada. Fonda desmonta o western e cria um anti-épico liberal, sentimental e não disposto a julgamentos. O filme, ainda que ingênuo, cativa pelos detalhes. A música belíssima, a fotografia naturalista e a presença destruidora de Verna Bloom colocam Pistoleiros do Entardecer ao lado dos pequenos grandes filmes.

Pistoleiros Sem Destino
The Hired Hand, EUA, 1971
Direção: Peter Fonda.
Elenco: Peter Fonda, Warren Oates, Verna Bloom, Robert Pratt, Severn Darden, Rita Rogers, Ann Doran, Ted Markland, Owen Orr, Al Hopson, Megan Denver, Michael McClure, Gray Johnson, Len Marsal, Larry Hagman.
Roteiro: Alan Sharp. Produção: William Hayward. Fotografia: Vilmos Zigmond. Edição: Frank Mazzola. Direção de Arte: Lawrence G. Paull. Música: Bruce Langhorne. Figurinos: Richard Bruno.

As Horas



Virginia Woolf escreve: - acho que eu mesma vou comprar as flores. Laura Brown lê: - acho que eu mesma vou comprar as flores. Clarissa Vaughan diz: - acho que eu mesma vou comprar as flores. As Horas, o filme de Stephen Daldry baseado no livro de Michael Cunningham, abre com a proposta de contar um pedaço das vidas de três mulheres que nunca se conheceram, mas têm muito em comum. Cada ato de uma delas reflete na vida da outra.

A premissa é boa. Intercalar três narrativas e discutir as vidas limitadas das três personagens, que esbarram nas próprias barreiras e não encontram a felicidade que tanto almejam. A incapacidade de lidar com o mundo, um casamento infeliz, um amor que nunca aconteceu. As pequenas infelicidades do dia-a-dia cultivam mais material literário (ou fílmico) do que se possa imaginar. A edição de As Horas trabalha bem as relações entre suas protagonistas, mas seu roteiro nunca penetra em seus interiores complexos.

Julianne Moore, Nicole Kidman e Meryl Streep são excelentes atrizes. E têm desempenhos elogiosos aqui, mas não encontram no próprio texto o espaço necessário para desenvolver seus personagens. O personagem mais bem trabalhado no texto é o Ed Harris, que dizem ser baseado no próprio Cunningham. A presença pequena de Toni Colette é perfeita. Mas o ciclo iniciado se completa sem o grau de envolvimento necessário para conquistar o espectador.

As Horas se propõe a grandes discussões sobre problemas que parecem pequenos. Mas pequeno é o grau de profundidade alcançado pelo roteiro (e talvez pela direção). O desenho das três mulheres é fértil e imensamente cheio de possibilidades, mas nunca há mergulho. Superficialidade talvez não seja a expressão mais adequada. Inabilidade talvez. Stephen Daldry nos oferece uma bandeja farta e colorida (plasticamente indefectível) mas, quando nossas mãos são estendidas para se servir, as frutas desaparecem ou perdem a cor. A bela fotografia, a competente direção de arte e a trilha incitante de Philip Glass aumentam o interesse, mas não satisfazem nossos olhos e nossas vontades. Há um gosto indesejável de falta. Falta de definição, sobretudo. Não é um filme ruim. Muito pelo contrário. É um filme que promete muito, mas não se cumpre.

As Horas
The Hours, EUA, 2002
Direção: Stephen Daldry.
Elenco: Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep, Ed Harris, John C. Reilly, Stephen Dillane, Claire Danes, Allison Janney, Jeff Daniels, Miranda Richardson, Eilleen Atkins, Linda Bassett, Jack Rovello, Michael Culkin, Toni Colette, Margo Martindale, Colin Stinton, Christian Culson, .
Roteiro: David Hare, baseado no livro de Michael Cunningham. Produção: Scott Rudin e Robert Fox. Fotografia: Seamus McGarvey. Edição: Peter Boyle. Direção de Arte: Maria Djurkovic. Música: Philip Glass. Figurinos: Ann Roth.


 
online